O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) reduziu uma cobrança tributária feita pela Receita Federal contra a gestora dos investimentos do empresário Abílio Diniz. De acordo com partes envolvidas no processo, a redução da cobrança foi de cerca de 99%, o que fez o valor da cobrança cair de R$1,5 bilhão para cerca de R$ 15 milhões após o julgamento.
O processo trata do conflito entre o empresário e o grupo francês Casino pelo controle do Grupo Pão de Açúcar. Em um dos maiores e mais conturbados acordos firmados na história empresarial brasileira, a aliança que começou em 2005 terminou em dissenso em 2012, com Diniz renunciando ao comando da empresa fundada pelo seu pai em 1948, e com os franceses assumindo o controle do grupo. Até hoje, ambas as partes trocam farpas, de forma pública e reservada, sobre quem estará à frente da companhia que detém mais de mil pontos de venda e emprega cerca de 99 mil funcionários.
Duas operações ocorridas durante esta briga foram analisadas pela turma: a primeira é o aporte, pela Península, de ações do Centro Brasileiro de Distribuição (CBD) em um fundo de investimento, chamado de Santa Rita. A segunda é uma operação de permuta realizada após uma arbitragem entre as partes, em que Diniz cedeu ações ordinárias da CBD ao Casino. Em troca, o grupo francês destinou ao empresário ações preferenciais da mesma companhia.
Segundo o Fisco, a primeira operação teria sido simulada, buscando apenas benefícios tributários, e as ações investidas no fundo Santa Rita deveriam ser reavaliadas. Na segunda transação, o montante permutado seria, na verdade, uma operação clássica de compra-e-venda, de maneira que não poderiam ser subscritos os ativos a valor contábil como queria a contribuinte, mas sim a valor de mercado. Com a aplicação de uma multa de 150%, a cobrança totalizava cerca de R$1,5 bilhão, cobrados da Península, que gere os ativos da família Diniz, e da pessoa física de Abílio Diniz.
A defesa da contribuinte, comandada pelo tributarista Roberto Quiroga, do escritório Mattos Filho, buscou demonstrar a legalidade das operações. O investimento das ações pelo Fundo Santa Rita teria ocorrido após Abílio Diniz sentir a necessidade de proteger seu patrimônio da batalha travada por ele contra o Casino. O advogado representante do caso também lembrou da decisão da Delegacia da Receita Federal de Julgamento (DRJ), que entendeu que houve permuta.
Para a Península, a base de cálculo adotada pela instância anterior estaria errada: em vez de basear o cálculo no valor de mercado das ações permutadas, ao apurar o Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a Receita Federal deveria ter como referencial o valor contábil das ações. Na prática, a base de cálculo diminuiria de R$ 1,31 bilhão para R$ 61 milhões.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional também apresentou suas razões aos conselheiros. Segundo o procurador do caso, em relação ao primeiro evento, as ações investidas no Fundo Santa Rita foram subscritas em valor menor ao da cotação no mercado naquele mesmo dia. “Em nenhum fundo normal os senhores veriam aportes a valor contábil”, rebateu o patrono da Fazenda Nacional, Rodrigo de Macedo e Burgos. Sobre a permuta, a PGFN entendeu que não havia sinal de erro na base de cálculo adotada pela DRJ, de R$ 1,31 bilhão, e que a responsabilidade de Abílio pela cobrança deveria ser mantida.
Em seu voto, o conselheiro Paulo Henrique Silva Figueiredo deu provimento em parte ao recurso da Península. Representante da Fazenda Nacional, Figueiredo defendeu que a operação de investimentos no Fundo Santa Rita não foi simulada e, assim, não cabe reavaliação. Neste ponto, a turma o seguiu por unanimidade de votos, com o presidente Luiz Tadeu Matosinho Machado acompanhando pelas conclusões o voto.
Por sete votos a um, a turma também definiu que a operação de permuta, feita entre Diniz e o Casino, gerou ganho de capital. A base de cálculo, porém, seria com as ações a valor contábil, de R$ 61 milhões. Único voto dissidente, o conselheiro Flávio Machado Vilhena Dias votou pelo cancelamento total da cobrança.
O colegiado foi unânime em afastar a cobrança de multa qualificada e a responsabilidade solidária de Abílio Diniz pela cobrança. Os únicos pontos do processo mantidos pela turma foram a impossibilidade de que a empresa aproveitasse saldo negativo de IRPJ e base negativa da CSLL no abatimento do valor total, além de multa de ofício sobre a cobrança, no percentual de 75%, que foi mantida.
O caso, julgado por uma turma ordinária do Carf, ainda guarda a possibilidade de recursos por ambas às partes. Para ingressar com recursos à Câmara Superior, porém, tanto Fazenda Nacional quanto a contribuinte deverão comprovar que a tese adotada pelo colegiado seria controversa.
Fonte: JOTA