Contabilidade – Não Obrigatoriedade de Publicação das Demonstrações Financeiras por Sociedades de Grande Porte

A Lei 11.638, de 28 de dezembro de 2007, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 2008, conceituou sociedade de grande porte para os fins de escrituração, elaboração e auditoria de suas demonstrações financeiras.

Assim que a Lei 11.638/07 entrou em vigor, iniciou-se amplo debate sobre a obrigatoriedade ou não de publicação das demonstrações financeiras pelas sociedades de grande porte constituídas sob a forma de limitada, simples, em conta de participação, em nome coletivo, em comandita simples e cooperativa, ou seja, aquelas reguladas pelo Código Civil.

Consideram-se de grande porte as sociedades ou conjunto de sociedades sob controle comum que tenham ativo total superior a R$240milhões ou receita bruta anual superior a R$300milhões (art. 3º, par. único, da Lei 11.638/07).

O Anteprojeto de Lei e o Projeto de Lei 3.741/2000, de autoria da Comissão de Valores Mobiliários-CVM e do Deputado Emerson Kapaz respectivamente, que resultaram na Lei 11.638/07, dispunham em suas redações originais que as sociedades de grande porte, ainda que não constituídas sob a forma de sociedades por ações, deveriam escriturar, elaborar e publicar suas demonstrações financeiras, bem como submetê-las à auditoria, em conformidade com a Lei 6.404/76.

São cinco as demonstrações financeiras previstas na Lei 6.404/76, a saber: (i) balanço patrimonial; (ii) demonstração dos lucros ou prejuízos acumulados; (iii) demonstração do resultado do exercício; (iv) demonstração dos fluxos de caixa; e (v) demonstração do valor adicionado.

Ocorre que a obrigatoriedade de publicação das demonstrações financeiras pelas sociedades de grande porte reguladas pelo Código Civil foi suprimida do Projeto de Lei durante o processo legislativo e a matéria acabou sendo disciplinada pela Lei 11.638/07 da seguinte forma:

“Art. 3º – Aplicam-se às sociedades de grande porte, ainda que não constituídas sob a forma de sociedades por ações, as disposições da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, sobre escrituração e elaboração de demonstrações financeiras e a obrigatoriedade de auditoria independente por auditor registrado na Comissão de Valores Mobiliários.”

Dessa forma, o art. 3º da Lei 11.638/07 exige que as sociedades de grande porte reguladas pelo Código Civil apenas escriturem e elaborem suas demonstrações financeiras em consonância com a Lei 6.404/76 e as submetam à auditoria, não sendo obrigatória a publicação.

O fato de a ementa da Lei 11.638/07 indicar que ela “estende às sociedades de grande porte disposições relativas à elaboração e divulgação de demonstrações financeiras” não tem o condão de obrigar a publicação. Isto porque: (i) trata-se de evidente equívoco do legislador, que “esqueceu” de alterar a ementa quando a obrigatoriedade da publicação foi suprimida do Projeto de Lei; e (ii) a parte preliminar de uma lei, incluindo a ementa, não impõe norma de conduta; somente os artigos (a parte normativa) de uma lei que impõem norma de conduta (arts. 3º e 5º da LC 95/1998).

As únicas sociedades que estão obrigadas a publicar suas demonstrações financeiras são as por ações (anônima e em comandita por ações), de capital aberto ou fechado, observadas as seguintes exceções: (i) a companhia fechada com menos de vinte acionistas e patrimônio líquido inferior a R$1milhão não está obrigada a publicar suas demonstrações financeiras desde que elas sejam arquivadas na Junta Comercial (art. 294, II, da Lei 6.404/76); (ii) a companhia fechada, com patrimônio líquido inferior a R$2milhões, não está obrigada a elaborar e publicar a demonstração dos fluxos de caixa (art. 176, § 6º, da Lei 6.404/76); e (iii) apenas as companhias abertas estão obrigadas a elaborar e publicar a demonstração do valor adicionado (art. 176, V, da Lei 6.404/76).

A CVM, ao manifestar seu entendimento preliminar acerca da Lei 11.638/07 por meio de Comunicado ao Mercado de 14.01.2008, ajudou a esclarecer eventuais dúvidas que pairassem a respeito da obrigatoriedade ou não da publicação. A CVM pronunciou-se da seguinte forma:

“Como já mencionado, a Lei nº 11.638/07 estendeu às sociedades de grande porte (…) a obrigatoriedade de manter escrituração e de elaborar demonstrações financeiras com observância às disposições da lei societária. Assim, embora não haja menção expressa à obrigatoriedade de publicação dessas demonstrações financeiras, qualquer divulgação voluntária ou mesmo para atendimento de solicitações específicas (credores, fornecedores, clientes, empregados, etc.), as referidas demonstrações deverão ter o devido grau de transparência e estar totalmente em linha com a nova lei (art. 3º).

Nota-se, portanto, que o resultado da interpretação literal da Lei 11.638/07, primária e essencial, não difere daquele obtido com a interpretação histórica.

Também se obtém o mesmo resultado quando se adota uma interpretação sistemática da Lei 11.638/07. O § 1º do art. 176 da Lei 6.404/76(1), que disciplina a forma de publicação das demonstrações financeiras pelas companhias, abertas ou fechadas, não se aplica às sociedades de grande porte reguladas pelo Código Civil porque a Lei 11.638/07 determina que elas observem as normas da Lei 6.404/76 sobre escrituração e elaboração de demonstrações financeiras, apenas. O § 1º do art. 176 da Lei 6.404/76 não dispõe sobre escrituração e tampouco sobre elaboração de demonstrações financeiras. Como visto, ele disciplina a forma (contas com valores dos exercícios anterior e corrente) de publicação das demonstrações financeiras, apenas.

Além disso, o § 6º do art. 176 da Lei 6.404/76 dispõe que a companhia fechada, com patrimônio líquido inferior a R$2milhões, “não será obrigada à elaboração e publicação da demonstração dos fluxos de caixa. Logo, o § 6º do art. 176 da Lei 6.404/76 corrobora o entendimento de que “elaborar” é diferente de “publicar”. Se assim não fosse, bastaria que o § 6º do art. 176 da Lei 6.404/76 dispensasse a elaboração da demonstração dos fluxos de caixa para que, automaticamente, ficasse dispensada a publicação.

E mais: o art. 294, II, da Lei 6.404/76 dispensa a companhia fechada com menos de vinte acionistas e patrimônio líquido inferior a R$1milhão de publicar suas demonstrações financeiras, desde que elas sejam arquivadas na Junta Comercial. Referido art. 294, II, dispensou a publicação, mas não a elaboração. Portanto, as companhias fechadas com menos de vinte acionistas e patrimônio líquido inferior a R$1milhão podem optar por publicar ou não suas demonstrações financeiras, embora continuem obrigadas a elaborá-las em conformidade com a Lei 6.404/76. O art. 294, II, da Lei 6.404/76 reforça, portanto, a dissociação entre as obrigações de publicação e de elaboração das demonstrações financeiras previstas na Lei 6.404/76.

Não se nega que o legislador tenha perdido a oportunidade de corrigir uma distorção antiga, que é a inexistência de obrigação de divulgação de informações ao mercado pelas sociedades de grande porte reguladas pelo Código Civil.

Seria realmente salutar que a obrigação de publicação das demonstrações financeiras não fosse atrelada ao tipo societário. O ideal seria que tal obrigação estivesse vinculada ao porte das sociedades, em virtude da inegável importância econômica e social que as grandes empresas desempenham na economia moderna. Infelizmente a correção dessa distorção exigirá a sanção de nova lei.

Conclui-se que as únicas três novas obrigações que a Lei 11.638/07 criou para as sociedades de grande porte constituídas sob a forma de limitada, simples, em conta de participação, em nome coletivo, em comandita simples e cooperativa são a escrituração, elaboração e auditoria (por auditor independente registrado na CVM) de suas demonstrações financeiras. Por se tratar de faculdade e não de obrigatoriedade, a falta de publicação das demonstrações financeiras por essas sociedades não poderá gerar a responsabilização de seus administradores e controladores.

Notas

(1) Artigo 176, § 1º, da Lei 6.404/76: “As demonstrações financeiras de cada exercício serão publicadas com a indicação dos valores correspondentes das demonstrações do exercício anterior.”


Fábio Appendino

Fonte: Netlegis

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