Para incentivar as exportações e a industrialização, o Estado brasileiro criou, em 1969, um benefício financeiro conhecido como crédito-prêmio do IPI para quem exportasse produtos industrializados no país. O crédito foi instituído por um decreto-lei e modificado por outros quatro entre 1979 e 1981. Os três primeiros formularam regras para a extinção do benefício, enquanto o último tratou de sua aplicação.
Hoje, quase 40 anos após a criação do benefício, o destino de muitas empresas exportadoras depende de uma medida provisória do Executivo que lhes permita, ao menos, parcelar os débitos existentes, e anistie as penalidades tributárias, já que, recentemente, passaram a ser devedoras do Fisco por conta de uma decisão judicial que julgou o crédito extinto em 1990.
Examinando especificamente o Decreto-lei 1.724/79, o Supremo Tribunal Federal declarou-o inconstitucional por ter delegado ao ministro da Fazenda competência para estabelecer prazos de extinção de benefício instituído por lei. A partir daí a jurisprudência passou a entender como mantido o benefício do crédito-prêmio do IPI.
As Turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça decidiram da mesma forma. Como a matéria não é de competência do STF, muitos contribuintes sentiram-se seguros para continuar utilizando o benefício, apesar da oposição feita pelo Fisco. Mas, em 2004, o STJ mudou de posição, passando a entender que o crédito-prêmio do IPI estava extinto desde 1983. Com isso, a matéria acabou sendo levada para a 1ª Seção do STJ. Ali prevaleceu, recentemente, posição intermediária, considerando-se extinto o benefício em 4 de outubro de 1990.
A alteração da até então pacífica jurisprudência favorável aos contribuintes gerou sérias conseqüências, mesmo com a decisão de que o benefício foi extinto em 1990 e não em 1983. Como pelo menos até meados de 2004 estava pacificamente entendido que ele permanecia vigente, os exportadores continuaram a escriturá-lo, recolhendo menos IPI, vendo-se agora diante de enorme passivo tributário decorrente do tributo não recolhido, acrescido das multas e juros.
A situação de tais contribuintes é absolutamente diferente daqueles que por sonegação, desleixo e até mesmo por dificuldades financeiras deixaram de recolher o tributo.
Ora, os contribuintes são empresários e não juristas e não teriam a menor razão para supor que a jurisprudência pacífica do STJ seria modificada no futuro e, o que é pior, com efeitos sobre o passado.
Não se nega ao Judiciário o direito de rever suas posições. Por outro lado, tanto o Poder Judiciário como o Executivo, embora independentes, devem ser harmônicos, segundo a Constituição, integrando o que se denomina genericamente de Poder Público.
E foi esse Poder Público que induziu, embora não intencionalmente, os contribuintes a acumular o passivo tributário, na suposição de que seu crédito era legítimo.
Cabe agora ao Poder Público solucionar o problema criado. Não se pretende propor simplesmente uma anistia para os débitos decorrentes da agora indevida apropriação do crédito-prêmio, mas que o Poder Público edite norma legal, preferencialmente uma MP, ante a evidente urgência, com parcelamento de longo prazo para a quitação de tais créditos.
A norma que estabelecer o parcelamento deverá anistiar as penalidades tributárias em princípio incidentes neste caso. Isso se baseia em dois artigos do Código Tributário Nacional: o artigo 100, inciso IV e parágrafo único e o artigo 112, inciso II.
O artigo 100 do CTN determina que são normas complementares as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas. O parágrafo único desse artigo estabelece que a observância pelo contribuinte de tais práticas exclui a aplicação de penalidades. Por outro lado, o artigo 112 determina que, em caso de dúvida, a lei tributária que define infrações ou penalidades interpreta-se mais favoravelmente ao acusado.
Assim, a norma ora proposta tem o dever moral de estabelecer, além do parcelamento de longo prazo, a anistia das penalidades para quem a ele aderir. Será uma forma de, ao menos, diminuir o castigo daqueles que acreditam no Poder Público.
Fonte: Gazeta Mercantil