Charles W. McNaughton
Entre os fatores mais complexos do sistema tributário nacional, certamente, está a apuração da Contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição à Seguridade Social (Cofins) pela sistemática não cumulativa. Marcado pela imposição de elevadas alíquotas, por legislação intricada e por conflitos entre contribuinte e Fisco, o regime não cumulativo é exemplo eloquente de como as reiteradas promessas de “simplificação” do sistema tributário mediante reformas acabam se materializando em leis pautadas por novas dificuldades, que contribuem para a perda de competitividade das empresas brasileiras.
Porém, no que tange ao PIS e à Cofins, esse cenário pode apresentar melhoras. Em recente decisão, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) instituiu entendimento que, caso seguido, poderia simplificar a apuração do PIS e da Cofins pelo regime não cumulativo. Embora vá de encontro à postura aplicada pelo Fisco, a força de seus argumentos não pode ser desprezada.
Para compreendermos o que está envolvido, atentemos que a não cumulatividade é técnica que tem por objetivo evitar que o tributo onere, duas vezes, o valor agregado em cada etapa de uma cadeia econômica.
Vamos entender por qual razão isso é criado a partir de um exemplo. Imaginemos que uma roupa seja confeccionada por um industrial, vendida a um comerciante e depois ao consumidor, pelo preço final de R$ 200,00. Se o Fisco pretender tributar a última venda com alíquota de 10%, o valor total arrecadado seria de R$ 20,00.
Mas se essa roupa é fabricada em janeiro, digamos que apenas em março haja venda ao consumidor. Assim, a arrecadação seria efetivada em abril, três meses após o evento da fabricação.
Essa sistemática é pouco eficiente, pela morosidade na arrecadação de recursos. Para resolver o problema, é possível tributar não apenas a última etapa (venda final), mas todos os estágios do ciclo. Assim, tanto o fabricante, como o comerciante ficariam incumbidos de recolher tributos. Com isso, a União poderia angariar recursos de forma mais ágil.
Mas, para não gerar distorções, a alteração tem de ser neutra sob o ponto de vista de carga tributária, não podendo implicar tributação total que supere os R$ 20,00, que inicialmente seriam cobrados. Daí que entra a não cumulatividade, ao impedir que o tributo onere, duas vezes, o valor agregado em cada etapa do ciclo.
Se um fabricante vende roupas ao comerciante por R$ 100,00 e este efetiva a venda por R$ 200,00 para o consumidor, podemos concluir que em cada etapa da cadeia há acréscimo de R$ 100,00 no preço. Assim, se sobre tais operações incide tributo pela alíquota de 10%, a não cumulatividade importaria que o industrial e comerciante não poderiam recolher, cada um, mais do que R$ 10,00 a título de imposto. Esse valor foi obtido pela aplicação do percentual de 10% sobre o valor que cada um acrescentou no preço de venda das roupas em questão (R$ 100,00).
Para conseguir tal efeito, a legislação concede créditos, que reduzem o valor a ser pago a título do PIS e da Cofins, calculados a partir de certos gastos que o contribuinte incorre. Com isso, a não cumulatividade cumpre sua função: permitindo arrecadação mais ágil, sem aumento de tributação.
O problema ocorre quando se passa a restringir os tipos de gastos que geram créditos. Se o fabricante adquire tecido por R$ 50,00 tal valor é aproveitado como crédito, sem discussões. Mas, e se ele gastar R$ 30,00 com lubrificantes utilizados na máquina empregada na fabricação das roupas?
Como o Fisco vinha restringindo o creditamento em hipóteses como essa, haveria cumulatividade pela dupla oneração dessa parcela de R$ 30,00: (a) tanto na venda desse insumo para o fabricante; (b) quanto na venda da roupa produzida, ao comerciante, desde que o preço englobe o custo incorrido com o lubrificante.
Por restrições como essa, o PIS e a Cofins se tornam parcialmente cumulativos, em arrepio ao parágrafo 12 do artigo 195 da Constituição. Esse artigo prevê que a legislação pode escolher segmentos econômicos em que o PIS e a Cofins serão não cumulativos.
Contudo, uma vez efetivada a escolha, a não cumulatividade não pode ser restringida de qualquer forma.
É daí que entra a força jurídica da decisão mencionada. Ao prever que dispêndios com lubrificantes consumidos em máquinas para fabricação de produtos geram crédito, por serem insumos, o Carf consolidou interpretação da legislação que a torna compatível com a Constituição. E, de quebra, torna mais claro o que pode ser aproveitado como crédito.
Mais do que o aspecto jurídico envolvido, essa linha tem o mérito de reduzir a complexidade do regime tributário, ao menos para o PIS e a Cofins, eliminando dúvidas sobre o alcance do enigmático conceito de “insumo”. Trata-se de solução simples e mais eficaz do que muito projeto de reforma tributária que existe por aí. Resta esperar se o entendimento será sacramentado pela jurisprudência administrativa e pelo Poder Judiciário.
Charles William McNaughton é mestre em direito tributário pela PUC-SP, professor do curso de especialização em direito tributário da PUC-SP e sócio do Gaudêncio, McNaughton & Prado Advogados
Fonte: Valor Econômico