Débito pago com crédito-prêmio pode ser parcelado

Empresas que usaram créditos-prêmio de IPI gerados depois de 1990 para compensar débitos tributários conseguiram diminuir o estrago causado pela decisão de agosto do Supremo Tribunal Federal, que negou o direito aos aproveitamentos. Uma medida provisória publicada nesta quarta-feira (14/10) pelo governo federal permite o parcelamento em até 12 vezes dos débitos pagos com os créditos declarados inválidos pelo Supremo.


A negociação foi enxertada na Medida Provisória 470, que trata da criação de recursos para aumentar os gastos da Caixa Econômica Federal. O crédito extra concedido pela União ao banco é de R$ 6 bilhões. Perdido no texto de uma norma completamente alheia ao assunto, o artigo 3º da MP prevê que as dívidas antes compensadas com os créditos inválidos poderão ser parceladas, ou pagas à vista com desconto, até 30 de novembro.


Também entram no parcelamento débitos pagos com os incentivos de IPI gerados na compra de matérias-primas ou embalagens tributadas com alíquota zero ou não tributadas. Em 2007, o Supremo também decidiu que o benefício não poderia ser usado para compensar outros débitos. Esses valores, no entanto, já podem ser parcelados desde maio, de acordo com a Lei 11.941/09, que criou o chamado Refis da Crise.


Quem optar pelo parcelamento da MP 470 terá abatimento de 100% das multas de mora e de ofício e dos honorários advocatícios, além de 90% das multas isoladas e dos juros. Será permitido quitar as dívidas com prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) próprios.


A saída foi necessária depois que os exportadores sofreram derrota pesada no Supremo — uma das maiores vitórias tributárias do fisco federal na Justiça. Em agosto, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o crédito-prêmio do IPI acabou em 1990. Os ministros do STF entenderam que, como o benefício foi criado antes da Constituição Federal de 1988, teria de ser revalidado por uma lei em até dois anos depois da promulgação do texto constitucional. Como isso não aconteceu, o direito aos créditos expirou em 5 de outubro de 1990. Para os contribuintes, no entanto, a regra — prevista no artigo 41, parágrafo 1º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias — só se aplicaria a benefícios setoriais, o que exclui os exportadores por não serem um setor.


Depois da decisão, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ameaçou ajuizar ações rescisórias para recuperar cerca de R$ 50 bilhões em créditos-prêmio usados pelas empresas para pagar tributos por meio de compensação desde 1990. Com isso, até mesmo quem já tem decisão judicial favorável transitada em julgado fica ameaçado.


Segundo levantamento feito pela Fundação Getúlio Vargas, o assunto pôs em jogo R$ 70 bilhões em impostos que seriam pagos com os créditos, dos quais R$ 50 bilhões já foram compensados e R$ 20 bilhões ainda seriam quitados. Já o fisco dizia que, para os cofres públicos, o valor chegaria a R$ 280 bilhões, caso todos os 30 mil exportadores exigissem o benefício.


O governo federal, no entanto, chegou a dar um susto nos exportadores que esperavam pelo parcelamento. A medida foi vetada na Lei 12.058/09, também publicada nesta quarta-feira, e que convertia em norma permanente a Medida Provisória 462/09. A MP repassou verbas extras ao Fundo de Participação dos Municípios, como forma de compensar a queda na arrecadação e nos repasses do fundo, decorrentes da crise financeira mundial.


A MP incluiu na lei que criou o Refis da Crise um artigo que permitia o parcelamento dos débitos compensados com créditos-prêmio. O parcelamento pelo Refis permitia que o valor fosse pago em até 15 anos. “A introdução do artigo 2º-A no âmbito da Lei 11.941, de 2009, pode levar a possíveis divergências de interpretação, ensejando a continuidade de discussões em torno da forma de aproveitamento do crédito-prêmio. Tal fato contraria o interesse público, uma vez que o objetivo das regras constantes do artigo em questão é justamente estancar as discussões acerca desse benefício fiscal”, justificou a Casa Civil ao negar o parcelamento pelo Refis. 


Décadas de disputa
O crédito-prêmio do IPI foi instituído pelo Decreto-lei 491 em 1969, durante o regime militar, para incentivar as exportações de produtos industrializados, permitindo que empresas compensassem o imposto recolhido por meio de créditos no mercado interno. O decreto isentava de IPI os produtos exportados e permitia que as indústrias se creditassem do imposto pago na compra de matérias-primas. O crédito foi mantido até 1983, quando expirou o prazo previsto pelos Decretos-lei 1.658 e 1.722, de 1979. As normas definiam uma redução trimestral de 5% do benefício, até sua extinção. No entanto, esses decretos foram revogados pelos Decretos-lei 1.724/79 e 1.894/81, que acabaram não estipulando uma nova data para a extinção, mas deram ao ministro da Fazenda o poder de fazê-lo.


Em 2004, o Supremo declarou os dois últimos decretos inconstitucionais quanto ao poder de extinção e redução do benefício pelo ministro da Fazenda — decisão aplicada pelo Legislativo por meio da Resolução 71/05 do Senado. Assim, não havia mais normas que afirmassem que o crédito-prêmio tinha acabado, voltando a vigorar o que dizia o Decreto-lei 491/69, segundo as empresas. Para o fisco, revogada uma norma que também revogou outra, a anterior teria voltado a valer, de acordo com o disposto na Lei de Introdução ao Código Civil — o Decreto-lei 4.707/42 —, que estabelece a chamada repristinação. 


O Superior Tribunal de Justiça mudou duas vezes de entendimento. Primeiro, afirmou que o crédito não havia terminado devido à revogação dos decretos que o extinguiam. Em 2005, afirmou que o benefício acabou em 1983, como queria o fisco. Dois anos depois, a 1ª Seção entendeu que o benefício estava vigente até 1990, prazo dado pelo ADCT para a confirmação dos benefícios setoriais vigentes antes da Constituição. Como o argumento para a decisão foi constitucional, as empresas apelaram ao Supremo, alegando que a corte superior havia invadido a competência do STF.


No dia 13 de agosto, em uma tarde inteira de julgamento sobre o tema, os ministros do Supremo entenderam, por unanimidade, que o crédito-prêmio beneficiava apenas as indústrias e, por isso, era um incentivo setorial. Assim, se enquadrava nas regras do ADCT e precisava ser confirmado, depois de 1988, por uma lei específica. Como isso não aconteceu até 1990, o Plenário votou pela extinção.


Como o tema teve Repercussão Geral reconhecida, os processos judiciais que ainda discutem a matéria não subirão mais à corte, a não ser que tragam novos argumentos. Ao conversar com jornalistas depois do julgamento, no entanto, o ministro Ricardo Lewandowski, autor do voto vencedor e relator dos recursos, disse que pretende sugerir a edição de uma Súmula Vinculante sobre o tema, o que obrigaria as instâncias inferiores a aplicar o entendimento da corte aos casos.


Por Alessandro Cristo

Fonte: Conjur

Compartilhar