É possível distribuir juros sobre capital próprio antes de deduzir prejuízo acumulado

É possível distribuir juros sobre capital próprio no exercício financeiro em que a empresa obteve lucro, ainda que exista prejuízo acumulado de outros exercícios.

A conclusão é da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que deu provimento ao recurso especial ajuizado por conselheiros e acionistas do Banco do Estado de Sergipe (Banese).

O julgamento foi resolvido por 3 votos a 2 e serviu para resolver um aparente conflito entre a Lei das S.A. (Lei 6.404/1976) e a Lei 9.249/1995, que traz as regras para dedução dos juros sobre capital próprio.

Os juros sobre capital próprio representam a remuneração que as empresas pagam àqueles que investiram dinheiro na atividade exercida — comparável a um empréstimo. Esse pagamento não depende do sucesso do negócio.

De acordo com o artigo 9º, parágrafo 1º da Lei 9.249/1995, há duas possibilidades para dedução do JCP: a existência de lucros, computados antes da dedução dos juros; ou a existência de lucros acumulados e reservas de lucros.

Em ambos os casos, esses lucros precisam somar montante igual ou superior ao valor de duas vezes os juros a serem pagos ou creditados.

Já o artigo 189 da Lei das S.A. exige que, antes de qualquer participação no resultado do exercício financeiro, sejam deduzidos os prejuízos acumulados e a provisão para o Imposto de Renda.

Punição

No caso em julgamento, conselheiros e acionistas do Banese aprovaram a dedução de juros sobre capital próprio nos exercícios de 2002 e 2003 antes de deduzir do resultado financeiro os prejuízos acumulados.

A conduta violou o artigo 189 da Lei das S.A. e rendeu multa aplicada pela Comissão de Valores Imobiliários (CVM), que acabou mantida pelo Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional.

Os multados foram ao Judiciário contestar a punição, mas não tiveram sucesso. O Tribunal Regional Federal da 5ª Região manteve a multa aplicada pela infração ao artigo 189 da Lei das S.A.

Multa descabida

O tema dividiu a 1ª Turma do STJ. Venceu a posição do relator, ministro Gurgel de Faria, acompanhado pelos ministros Sérgio Kukina e Benedito Gonçalves.

Para eles, a dinâmica de pagamento dos juros sobre capital próprio tem uma previsão própria e especial na legislação que, por isso mesmo, se sobrepõe ao artigo 189 da Lei das S.A.

Isso significa que a dedução dos juros sobre capital próprio pode ser feita quando a empresa obteve lucro no exercício financeiro, embora tenha acumulado prejuízo nos anteriores; ou quando teve prejuízo no exercício financeiro, mas preservou lucro acumulado anteriormente.

“Caso o propósito legal fosse proibir o pagamento dos juros sobre capital próprio por parte das empresas que amargassem prejuízo acumulado, bastaria condicionar aquele (o pagamento) à existência de lucros acumulados”, disse o ministro Gurgel de Faria.

“Diante desse raciocínio, não se justifica a manutenção da multa aplicada pela prática de conduta que era permitida pela lei”, concluiu

Multa é válida

Ficaram vencidos a ministra Regina Helena Costa e o ministro Paulo Sérgio Domingues. Para eles, os juros sobre o capital próprio são uma forma de destinação do lucro líquido, o que torna aplicável o artigo 189 da Lei das S.A.

Ou seja, é preciso fazer o abatimento das perdas havidas em exercícios anteriores para viabilizar remuneração dos acionistas.

“A própria existência de lucro, arrolada pela Lei 9.249/1995 como elemento indispensável ao crédito de tal parcela, pressupõe antecedente abatimento de perdas anteriormente amontoadas”, destacou a ministra Regina.

Em sua análise, o artigo 9º, parágrafo 1º da Lei 9.249/1995 e o artigo 189 da Lei das S.A. são totalmente compatíveis e não precisam se sobrepor um ao outro.

Para a ministra Regina Helena Costa, entender diferente iria de encontro à lógica da Lei 6.404/1976, que privilegia a recomposição do capital social e a responsabilidade financeira em detrimento do mero pagamento de proventos aos acionistas.

“É um precedente que esclarece um questionamento antigo no direito societário, reconhecendo que não há ilegalidade quando há pagamento de juros sobre capital próprio quando há lucros no exercício, mas prejuízos acumulados. Por consequência, reconhece a absoluta legalidade da atuação dos conselheiros do Banese”, afirma Bernardo Freire, sócio do Wald, Antunes, Vita e Blattner Advogados, que atuou no caso.

Fonte: Consultor Jurídico.

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