Empresas adotam mediação com credores para evitar processo de recuperação judicial

Empresas em dificuldades financeiras passaram a usar com mais frequência a mediação para tentar acordos com seus credores, antes de apresentarem pedido de recuperação judicial ou extrajudicial.

A medida, possível desde janeiro de 2021, com a entrada em vigor da reforma da Lei de Recuperação Judicial e Falência (Lei nº 14.112/20), já foi adotada em casos envolvendo a Unimed-Rio, a fabricante de cimento Intercement, a empresa de construção naval OSX e uma das maiores produtoras de óleo de palma, a Brasil Biofuels.}

A mediação ou conciliação é adotada normalmente após o pedido, na Justiça, da chamada tutela cautelar antecedente, que suspende as cobranças (execuções) contra a devedora por 60 dias. O procedimento pode ser instaurado nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs), mantidos pelos Tribunais de Justiça, ou em câmaras especializadas. A previsão está no artigo 20-B, paragrafo 1º.

Na Med Arb RB, câmara especializada em resolução de conflitos envolvendo reestruturação de empresas, a procura pela mediação tem crescido. Desde sua fundação, em novembro de 2021, recebeu 118 pedidos, envolvendo mais de R$ 15 bilhões. Desse total, 60 tratam de mediação anterior ao processo de recuperação.

Para o advogado e mediador Elias Mubarak, presidente da Med Arb RB, as empresas em crise já estão se acostumando a procurar a mediação como ferramenta para a reestruturação. Ele afirma que a maioria dos casos tratados na câmara envolvem empresas que optaram pela tutela cautelar antecedente – medida que especialistas tratam como a grande “virada de chave” do mercado.

“Ao identificar sinais de dificuldade, uma empresa proativa pode propor um convite de mediação em uma câmara privada, evitando a queda do seu rating e com soluções mais participativas”, diz Mubarak.

Em meio a uma crise, a Unimed-Rio pediu em março, na Justiça, liminar para suspender as execuções e iniciou mediações na Câmara FGV de Mediação e Arbitragem, no Rio. A empresa convidou 644 credores para sentarem na mesa de negociações. Foram realizadas mais de 300 sessões de mediação e formalizados mais de 200 acordos. O passivo submetido foi de R$ 149,6 milhões.

Após o prazo de 60 dias e as negociações, o Grupo Unimed-Rio apresentou pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicial já com o quórum legal de aprovação (mais de 70% dos créditos submetidos).

Foram registradas apenas duas impugnações. Em uma delas, o credor desistiu, antes da homologação, porque teve sua questão solucionada nas sessões de mediação. O plano de recuperação extrajudicial então foi homologado no dia 6 de julho, quatro meses depois do ajuizamento da cautelar.

De acordo com a advogada que assessora a Unimed-Rio na mediação, Juliana Bumachar, sócia do escritório Bumachar Advogados Associados, está acontecendo um boom de casos de mediação antes da recuperação judicial ou extrajudicial. “É um procedimento muito interessante porque a empresa tenta se antecipar e negociar soluções com seus credores, sem que já exista uma judicialização do problema”, diz.

O caso da Unimed-Rio, segundo Juliana, é um bom exemplo. “Houve uma preparação financeira e jurídica dos advogados para negociar, um acompanhamento de perto dos casos, o que fez toda a diferença para termos uma aprovação muito rápida e significativa”, afirma.

De acordo com a mediadora que atuou no caso da Unimed-Rio, Juliana Loss, sócia na Loss Andrade Solução de Conflitos, no começo das negociações é normal que os credores estejam já muito estressados e a empresa muito desgastada. Mas depois, nas mediações, chega-se a um número grande de acordos. “O mediador ajuda as partes a dialogar e buscar um acordo, o que é totalmente voluntário”, diz ela, acrescentando ser uma solução mais simples e barata do que levar o caso direto ao Judiciário.

No dia 15 de julho, a InterCement Brasil, que pertence à Mover (ex-Camargo Corrêa), informou ao mercado que conseguiu decisão favorável na Justiça de São Paulo determinando a suspensão de suas dívidas por 60 dias. A ideia era evitar o vencimento, no dia 17, de quase R$ 3 bilhões. A dívida total do grupo é de quase R$ 12 bilhões. A empresa afirmou em nota, na época, que o objetivo da decisão era garantir o resultado útil do processo de mediação iniciado com credores.

A Brasil Biofuels, também anunciou, em fevereiro, que conseguiu, na Justiça de São Paulo suspender por 60 dias ações e execuções de dívidas enquanto busca uma “solução consensual” com credores. A empresa iniciou um processo de mediação na Câmara Especial de Resolução de Conflitos em Reestruturação de Empresas (CamCMR) para tentar renegociar suas principais obrigações.

Outra mediação que ocorreu na Câmara da FGV Rio foi a da OSX. Em novembro, a empresa informou ao mercado que obteve liminar na Justiça do Rio para suspender cobrança de obrigações e dívidas por 60 dias. Em outubro, a empresa havia sido notificada pela operadora do Porto do Açu, em São João da Barra (RJ), que não iria prorrogar o acordo de suspensão de cobranças (standtill) assinado no ano de 2018. No caso, contudo, a empresa entrou em recuperação judicial.

A advogada Samantha Longo, sócia do Longo Abelha Advogados, que atua em diversas mediações antecedentes, como no caso da OSX, Unigel e moinho Canuelas, afirma que o mais interessante dessas mediações é que o próprio devedor convida os credores para participar das negociações. “É um novo modelo que favorece a desjudicialização, proporciona um diálogo mais construtivo e não tem contraindicação. O devedor antecipa um movimento que pode acabar evitando até mesmo a sua recuperação judicial”, diz.

Entre os credores, afirma, podem ser chamados para negociar os bancos, os trabalhadores e até mesmo o Fisco. “Além disso, na mediação você pode criar outras soluções, que no processo de recuperação judicial fica mais engessado”, diz.

O interesse por essa mediação antecedente tem crescido entre as empresas, sobretudo porque tem aumentado também o conhecimento dos advogados sobre essa possibilidade, segundo Samantha. “Além disso é um processo barato, não é caro como arbitragem e nem como um processo de recuperação judicial”.

As câmaras privadas de mediação, em geral, cobram uma taxa de registro (em torno de R$ 10 mil a R$ 30 mil), taxa de administração mensal e honorários do mediador (que cobra por hora e costuma ser bem menor do que honorário advocatício). Já na Justiça, somente o administrador judicial pode cobrar até 5% do valor da dívida – o que, em casos milionários ou bilionários, é muito significativo.

Com essa possibilidade nova de mediação, Samantha afirma que o sistema de insolvência criou degraus. O primeiro deles deve ser a mediação antecedente, o segundo a recuperação extrajudicial, e o terceiro, somente para casos mais graves, a recuperação judicial. “Na mediação existe muito mais liberdade, a vida da empresa não fica tão travada. Além disso, o empresário não fica com a pecha de fracassado nas costas. Ele está convidando seus credores para negociar, é outra situação.”

Procuradas pelo Valor, a Unimed-Rio e da Intercement informaram que não vão se manifestar. A assessoria de imprensa da OSX não foi localizada e a da Brasil Biofuels não deu retorno até o fechamento da edição.


Fonte: Valor Econômico

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