Empresas colocam lucro em conta irregular

Apesar de ter sido extinto o registro de saldo positivo na conta de lucros acumulados nos balanços anuais, após a aprovação da Lei das Sociedades Anônimas 11.638, muitas companhias registraram créditos nessa conta nos resultados do ano passado.


Levantamento do professor Ariovaldo Santos, da FEA USP e da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), apontou que 129 empresas ainda apresentavam saldo positivo nessa conta em 2008, sendo três abertas e 126 fechadas. “Essa prática é mais recorrente nas empresas de capital fechado. Dessas últimas, 70 se quer apresentavam parecer dos auditores”, diz .


De acordo com a Lei 11.638, de 2007, os balanços anuais a partir de 2008 não poderiam apresentar saldo positivo nessa conta, podendo existir apenas na forma de prejuízos acumulados. “Os recursos acumulados nessas contas devem, ao final do exercício, ser destinados às reservas próprias, integralizados ao capital social da companhia ou distribuídos aos sócios”, diz Frederico Augusto Lins Peixoto, consultor tributário do Tostes & Coimbra Advogados.


Especificamente no caso das empresas de capital aberto, algumas ainda apresentavam saldo positivo nessa conta nas demonstrações financeiras padronizadas (DFP) de 2008 enviadas à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).


No demonstrativo da Alpargatas ao final de 2008, constava saldo positivo de R$ 173,181 milhões na conta de lucros acumulados, contra R$ 210,269 milhões registrados ao final de 2007. A companhia, no entanto, não faz menção à possível destinação desses recursos.


Já no relatório entregue pela Souza Cruz, o saldo acumulado nessa conta somava R$ 1, 102 bilhão, contra R$ 778 milhões registrados em 2007. Em nota explicativa, a empresa afirma que o saldo de lucros acumulados na controladora “refere-se ao valor remanescente de lucros acumulados anteriores a Lei nº 10.303/01” e que a administração está avaliando a destinação a ser dada aos recursos.


A PPE Fios Esmaltados, que tem capital aberto mas não é listada em bolsa, apresentava ao final de 2008 um saldo de R$ 4,4 milhões na conta de lucros acumulados. Segundo o diretor financeiro e de relações com investidores da empresa, Aldo Bertolucci, os acionistas devem definir uma destinação para esses recursos na assembleia geral de 2010. “Ainda não definimos a destinação desses recursos tendo em vista projetos de investimento que se completam este ano.”


A Construtora Triunfo também apresentava saldo positivo nesse item do balanço no final de 2008, no valor de R$ 18,3 milhões. “A Lei 11.638 determina a plena destinação desses recursos, podendo haver saldo apenas nos resultados trimestrais”, afirma Fábio Cajazeira, sócio da área de mercado de capitais da PricewaterhouseCoopers (PwC).


A destinação obrigatória dos lucros das empresas não é tão nova. Desde 2001, a Lei das S.A. prevê que os lucros não destinados às contas de reservas – legal, estatutárias, para contingências, de lucros e de lucro a realizar – deverão ser distribuídos como dividendos.


A própria CVM determinou, por meio do artigo 5º da Instrução 469, de maio de 2008, que eventual saldo positivo nessa conta fosse destinado para reserva de lucros ou distribuídos como dividendos.


Peixoto lembra que a transferência desses recursos para a reserva de lucro, além de ter que definir uma destinação, não poderá ultrapassar o valor do capital social da empresa. “A conta de lucros acumulados oferecia às empresas a facilidade de retirar esses recursos quando quisessem, uma vez que não tinham a obrigação de definir uma destinação específica.”


Da mesma forma, a reserva estatutária exige uma definição da destinação de recursos, que deve constar no estatuto da empresa, devendo-se fixar uma parcela anual dos lucros líquidos que será destinada a sua constituição, bem como estabelecer um limite máximo da reserva. Já a reserva legal determina que 5% do lucro da companhia sejam retidos, não podendo exceder 20% do capital social.


Há ainda a reserva para contingência, com objetivo de compensar perda estimada para exercícios futuros e de capital, que somente poderá ser utilizada para absorção de prejuízos que ultrapassem os lucros acumulados e reservas de lucros; resgate, reembolso ou compra de ações; incorporação ao capital social e pagamento de dividendos a ações preferenciais (sem direito a voto).


Silvia Rosa

Fonte: Valor Econômico

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