Fácil e útil

Essas duas mudanças legislativas transformarão em realidade a recorrente promessa de desonerar a produção, os investimentos e as exportações.

Basta passar em uma comissão da Câmara dos Deputados (Constituição e Justiça) para ser aprovado o Projeto de Lei n.º 6.530/2009, que transforma num autêntico imposto sobre valor adicionado (IVA) a cobrança de três tributos federais: sobre Produtos Industrializados (IPI) e sobre receitas (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social, a Cofins, e Programa de Integração Social, o PIS).

Tal conversão passará a permitir ao contribuinte de cada tributo que: 1) qualquer compra realizada gerará crédito, inclusive de bens de capital e para uso e consumo; e 2) que eventual saldo credor acumulado poderá ser usado para quitar qualquer outro tributo federal, inclusive a contribuição previdenciária.

Essas duas mudanças legislativas transformarão em realidade a recorrente promessa de desonerar a produção, os investimentos e as exportações. Por princípio, não haverá renúncia, porque permitirá e devolverá aos contribuintes o que a Constituição a eles já garante, mas, na prática, é negado: uma tributação não cumulativa.

É tão fácil quanto útil para abrir o caminho para reformar o sistema tributário num processo gradativo, mas com um norte bem claro: a sua profunda simplificação. O mesmo poderia ser aplicado ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) por lei complementar. Ainda estaríamos longe do ideal, de ter um único e abrangente imposto com tal base – o que aí, sim, exigiria reforma constitucional. Mas já seria dado um enorme passo nessa direção e, o principal, sem maiores dificuldades legislativas, afinal, a proposta (iniciativa do senador Francisco Dornelles, PP-RJ) já foi aprovada pelo Senado e pela comissão temática da Câmara dos Deputados, tem parecer favorável do atual relator e nem precisaria ir a plenário, tudo com quórum simples.

A conjuntura econômica torna premente essa alteração legislativa. A apreciação real, como a que reinava quando se aprovou a Lei Kandir, agora se soma a uma concorrência internacional mais acirrada – quando não desleal -, e a taxa de investimento fixo não voltou sequer ao nível anterior à crise (quanto menos chegou ao padrão de outras economias emergentes).

É sempre mais tentador para o Fisco fazer alguma concessão pontual. Um exemplo é equiparar o insumo nacional ao importado quando adquirido pelo exportador sob condições especiais. Além de ser alternativa mais burocrática, não resolve o outro lado do mesmo problema: o produtor nacional que precisa investir mais e, sobretudo, enfrentar as importações no mercado nacional. Aliás, o senador Dornelles defendeu (O Globo, 11/3) concessões em torno da contribuição previdenciária: como única capaz de produzir efeitos apenas dentro das nossas fronteiras (vide isenção do IPI, que explodiu as importações de carros) e, no caso da redução da alíquota do encargo patronal, que fosse exclusiva para setores que sofrem a concorrência da mão de obra mais barata no exterior, como as indústrias têxtil, de vestuário e calçados (reduzir a alíquota de todos em 1 ponto deve ter o mesmo efeito de diminuir em 4,5 pontos para a indústria de transformação).

Começar a transformar tributos federais em IVA, e por lei ordinária, é uma oportunidade ímpar para adotar nova filosofia na tributação no País: a simplificação. É preciso acabar com a prática recorrente de criar regimes especiais: já são tantas as exceções que mal se sabem quais são as regras gerais e, pior ainda, a incerteza é inerente (tempo de vigência, regulamento mais restritivo que lei e alterado a qualquer momento…).

O retumbante sucesso do regime simplificado para microempresas deveria servir como lição – aliás, para estimular o emprego, é mais importante expandir sua cobertura do que a redução linear de encargo patronal sobre a folha. É possível que muitos contribuintes até preferissem um aumento marginal de alíquota da Cofins/PIS (como 0,5 ponto) em troca de poder deduzir também o que adquire para uso e consumo e, assim, economizar o que gasta indiretamente com um sistema complexo e custoso – que coloca o País na (vergonhosa) liderança mundial de compliance (pesquisa do Banco Mundial).

Tal incremento talvez nem fosse necessário, se a alíquota (ad valorem) de tais contribuições sobre combustíveis fosse reajustada pela variação do preço de mercado – estão congeladas desde 2004, para subsidiar indiretamente o setor.

Essa discussão também traz à tona a necessidade de atualizar os diagnósticos sobre as mudanças sensíveis na estrutura da economia e da própria arrecadação tributária nacional. Parece ter sido ignorado que encargos patronais respondem por menos de 40% da arrecadação previdenciária, da qual provêm apenas 23% da indústria de transformação. Logo, desonerar a folha como um todo seria mais para beneficiar instituições financeiras, prestadores de serviços e o próprio governo (que certamente não contratarão mais trabalhadores por causa disso).

Já no caso do IPI/Cofins/PIS, a tributação não cumulativa gerou apenas R$ 100 bilhões dos R$ 220 bilhões arrecadados por esses tributos em 2010 – ou seja, apenas 7,5% da receita tributária federal do ano, sinalizando por si só como seriam limitados os eventuais impactos da alteração proposta.

Há uma boa oportunidade para deslanchar um processo consistente de reforma tributária no Brasil, a começar por aprovar a lei que transforma IPI, Cofins e PIS em imposto sobre valor adicionado e por acompanhar mais de perto e melhor avaliar a qualidade da atual tributação no País.

José Roberto R. Afonso

Fonte: O Estado de São Paulo

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