O crédito que o fiador tem para receber pelo pagamento da fiança bancária se submete à recuperação judicial do afiançado se a carta de fiança for anterior ao pedido de soerguimento, mesmo que tal pagamento tenha sido feito depois.
A conclusão é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que deu provimento ao recurso especial de uma empresa para submeter à própria recuperação uma dívida decorrente do pagamento de fiança bancária.
Com isso, o banco fiador passa a integrar o quadro geral de credores na classe III, dos créditos quirografários — aqueles que não têm garantia real ou prioridade e que, por isso mesmo, serão os últimos a serem quitados.
O resultado, por maioria de votos, representa uma virada jurisprudencial. Em 2020, a conclusão foi de que os créditos de contratos de fiança bancária gerados após o pedido de recuperação judicial não se sujeitam ao processo de soerguimento.
No fim da fila
No caso, a carta de fiança bancária foi assinada antes da recuperação judicial ser requerida em juízo. Por meio desse documento, o banco fiador garantiu que pagaria uma dívida da empresa (afiançada) em favor de terceiros, caso ela deixasse de honrar com as obrigações.
No fim das contas, o fiador precisou fazer o pagamento em favor do afiançado, mas no momento em que a recuperação judicial já havia sido pedida. Por isso, defendeu que esses créditos não se submeteriam ao plano de soerguimento.
A resolução passa pela interpretação do artigo 49 da Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei 11.101/2005), segundo o qual “estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos”.
Prevaleceu a posição do relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, no sentido de submeter esse crédito à recuperação judicial.
Para ele, a data em que o crédito se tornará exigível é irrelevante para resolver a questão. A relação jurídica de garantia entre as partes nasce com a assinatura da carta de fiança, momento que conta para aplicação do artigo 49 da lei.
“O pagamento feito pelo fiador e a subsequente exigência do valor por ele adimplido estão relacionados com a execução do contrato de fiança e não com sua existência, o que é irrelevante para o fim de submissão aos efeitos da recuperação judicial”, disse o magistrado.
Entender de modo diferente, segundo ele, abriria a hipótese em que dois fiadores da mesma dívida poderiam se submeter ou não aos efeitos do processo de soerguimento, a depender da data em que fizeram o pagamento.
Sub-rogação de crédito concursal
O voto vencedor do ministro Villas Bôas Cueva ainda destacou que a sub-rogação do fiador pelo pagamento da dívida também não é suficiente para alterar o marco de inclusão do crédito na recuperação judicial.
Essa sub-rogação é efeito direto previsto no artigo 831 do Código Civil. O fiador, ao quitar a obrigação, assume o lugar do credor, podendo exigir dele o pagamento ao qual foi obrigado a fazer graças à carta de fiança.
Conforme o artigo 349 do Código Civil, com a sub-rogação transferem-se ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias que o credor originário detinha contra o devedor principal e seus fiadores.
Assim, o valor pago pelo fiador, e que agora é exigido por ele do devedor, é o crédito originário, pelo qual ele se comprometeu quando firmou o contrato de fiança.
“Se o credor originário tinha um crédito submetido aos efeitos da recuperação judicial, é isso o que ele tem a transferir ao sub-rogado”, concluiu o relator. Logo, a ele se transfere um crédito sujeito à recuperação judicial, pois anterior ao seu pedido.
Não é bem assim
Formaram a maioria com o relator os ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e Humberto Martins. Abriu a divergência e ficou vencida a ministra Nancy Andrighi.
Para ela, o crédito passível de ser perseguido pelo fiador em face do afiançado somente se constitui a partir do momento em que a fiança é paga. Esse é o fato gerador, o marco temporal para aplicação do artigo 49 da Lei de Recuperação Judicial e Falências.
Isso porque a pretensão do credor em relação ao fiador apenas passa a existir se e quando ficar configurada a inadimplência do devedor-afiançado.
“A condição de credor somente pode ser atribuída a alguém a partir do momento em que esse alguém seja titular de um crédito em face de outrem. Não existe credor se não existir crédito”, apontou a ministra Nancy.
Portanto, se na data do pedido de recuperação judicial o banco fiador não era titular de créditos contra a empresa recuperanda, não há como submete-lo aos efeitos do processo de soerguimento.
Fonte: Consultor Jurídico.