Fluxo operacional de caixa pode ser fração pequena do Ebitda

Por Fernando Torres | De São Paulo

O Ebitda de uma empresa equivale à sua geração operacional de caixa, certo? Muita gente responderia sim sem pestanejar. Afinal, executivos de empresas abertas e analistas de investimentos dizem isso de forma repetida a cada nova temporada de balanços – como a que se iniciou ontem (veja mais nesta página).

Preocupado com o uso dos dois termos como sinônimos, o professor Oscar Malvessi, coordenador do curso de fusões e aquisições da Escola Administração de Empresas de São Paulo de FGV, decidiu preparar um estudo sobre o tema.

A conclusão impressiona. Um grupo de 13 companhias abertas registrou Ebitda (sigla em inglês para lucro antes dos juros, impostos, depreciação e amortização) de R$ 20,25 bilhões no período de dois anos até setembro do ano passado. Em igual intervalo, o fluxo de caixa operacional das companhias foi de apenas R$ 670 milhões.

Em um período mais curto, de seis meses, o resultado obtido foi na mesma linha. O Ebitda delas somou R$ 4,69 bilhões, enquanto o fluxo de caixa operacional foi negativo em R$ 2,53 bilhões.

Não chega a ser uma surpresa que os valores sejam diferentes, porque as medidas realmente o são – o fluxo de caixa operacional desconta o efeito do imposto de renda e também a necessidade de capital de giro (veja no quadro nesta página como cada uma é calculada). Mas a magnitude chama a atenção e causa estranheza que os agentes financeiros aceitem uma medida como aproximação da outra sem muitos questionamentos.

Como foi dito numa época inglória do passado, uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade. No caso do Ebitda, não se trata de mentira, mas de uma simplificação, que às vezes pode ser exagerada, e levar a conclusões erradas.

De acordo com Malvessi, o investidor que acredita que o Ebitda representa geração de caixa corre o risco de achar que uma empresa tem sobra de caixa, quando na verdade ela precisa de mais dinheiro para investir na operação a cada trimestre.

A amostra do estudo foi escolhida pelo próprio professor e teve como base as empresas citadas na reportagem “Ajuste bilionário”, publicada em setembro pelo Valor. Nela, o jornal mostrava a diferença entre resultados “alternativos”, como “Ebitda ajustado” ou “lucro ajustado”, dos indicadores calculados da forma tradicional, o “Ebitda puro” e o “lucro puro”.

Não necessariamente essas 13 empresas são destaques em termos de diferença entre o Ebitda e o fluxo de caixa operacional. Ou seja, desse ponto de vista, a amostra é praticamente aleatória.

Segundo Malvessi, os resultados obtidos servem mais como um exemplo para o que ocorre no mercado de forma geral. Ele ressalta também a diferença entre um indicador e outro pode mudar ao longo do tempo e dos períodos analisados, a depender de sazonalidade e também da estratégia das empresas e da conjuntura de mercado. “Num cenário mais negativo, é preciso dar mais prazo para o cliente”, exemplifica o professor.

Mas como no grupo das 13 empresas existem quatro incorporadoras imobiliárias, que sabidamente tem um descasamento grande entre o resultado apurado pelo regime de competência e a geração operacional de caixa, o Valor pediu que Malvessi excluísse da conta essas empresas.

Mesmo assim, a diferença entre o Ebitda e o fluxo de caixa operacional foi relevante. As nove empresas restantes tiveram Ebitda de R$ 18,35 bilhões no período de dois anos até setembro, enquanto a geração operacional de caixa foi de R$ 5,15 bilhões, número 72% menor.

Malvessi se diz especialmente preocupado com a disseminação do uso do Ebitda como indicador determinante para pagamento de bônus aos executivos. Para ele, o indicador poderia ser usado no máximo para medir o resultado operacional no nível gerencial.

“A diretoria tem que ter uma visão mais ampla da companhia. Se a empresa não compra e vende à vista, é preciso acompanhar a necessidade de capital de giro para bancar a operação. É aí que a coisa pega”, diz ele. “Pode ser que o acionista remunere o gestor sem perceber que ele está destruindo a riqueza da companhia”, acrescenta, lembrando que o uso do valor absoluto do Ebitda não mede quanto de capital foi necessário para que ele fosse gerado.

O que Malvessi não conseguiu medir no estudo foi o apego dos profissionais de mercado pelo Ebitda, que provavelmente não vai desaparecer tão cedo.

Reginaldo Alexandre, presidente da Apimec, a associação dos analistas de investimentos, entende que foi a simplicidade que fez o Ebitda cair nas graças de seus colegas. “Eles gostam porque é simples de calcular. Isso torna a medida muito fácil de utilizar. E o mercado tem como característica eleger indicadores práticos”, afirma.

Alexandre, no entanto, também reconhece a fragilidade da medida. Além de afirmar que o Ebitda ignora a necessidade de aplicação de capital de giro no negócio (especialmente em momentos de expansão das empresas, como ocorre atualmente no Brasil), ele menciona que ele também despreza a necessidade de investimento mínimo em manutenção. “E alguns desses gastos não são opção da empresa, sob pena de matar a galinha dos ovos de ouro”, afirma.

Fonte: Valor Econômico

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