Laura Ignacio
O governo federal editou, na virada do ano, uma polêmica medida provisória que altera as regras de preços de transferência. A MP nº 478 , de 29 de dezembro, onera as multinacionais que importam produtos de coligadas para revenda. Mas, por outro lado, reduz a carga tributária de quem adquire no exterior insumos para a fabricação de mercadorias no Brasil. Isso porque a MP determina que, nesses casos, as empresas devem considerar uma margem de lucro de 35% para o cálculo do Imposto de Renda (IR) e da CSLL. Antes, a legislação estipulava percentuais diferentes, de 20% para a importação de produtos e de 60% para a compra de matérias-primas.
A MP 478 acabou com o método de preço de transferência mais usado pelas empresas no Brasil: o Preço de Revenda Menos Lucro (PRL). Os outros dois métodos – de Preços Independentes Comparados (PIC) e o de Custo de Produção mais Lucro (CPL) – são pouco usados por serem de difícil aplicação. As normas do preço de transferência visam a impedir a evasão de tributos pela manipulação de operações comerciais entre empresas brasileiras e suas coligadas domiciliadas no exterior.
O advogado Marco Monteiro, do Veirano Advogados, explica que esses dois métodos exigem informações sobre custos do concorrente ou mesmo da coligada no exterior, que são quase inacessíveis. Para substituir o PRL, a MP criou o método de Preço de Venda menos Lucro (PVL), com uma só alíquota. De acordo com a Receita Federal, como várias empresas estavam indo à Justiça alegar que não conseguiam alcançar a margem de 60% para calcular o IR e a CSLL, no caso de importação de matérias-primas, decidiu-se alterar a legislação. E, por meio de uma pesquisa de mercado, chegou-se ao percentual médio de 35%.
Mas alguns setores reclamam que é praticamente impossível obter a margem de lucro de 35% nas importações de produtos para revenda. “No meu caso, estávamos sujeitos a 20% e já era difícil”, afirma Alcino Junqueira Bastos, gerente para a América do Sul da Okuma Latino Americana e vice-presidente da Associação Brasileira dos Importadores de Máquinas e Equipamentos Industriais (Abimei). “Como temos concorrentes nacionais fortes, não temos condições de ter 35% de lucro.”
Já os empresários que importam matérias-primas de coligadas comemoram os 35%. Na maioria das vezes, as empresas não conseguiam alcançar a margem de 60% de lucro, o que acabou levando muitas a importar a mercadoria pronta, desestimulando a produção nacional. É o que afirma o presidente da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), Nelson Pereira dos Reis. “A unificação da margem de lucro para a importação é uma luta antiga do setor, principalmente das áreas de defensivos e fármacos”, diz.
Mas há especialistas que afirmam que, mesmo com a margem de lucro reduzida de 60% para 35%, importadoras poderão ficar em pior situação com a MP 478. Segundo as advogadas Isabela Frascino e Ana Carolina Monguilod, do escritório Levy & Salomão, quando a representatividade dos itens importados for pequena em relação ao custo total de produção, a carga tributária vai aumentar. Isso porque a MP 478 adotou uma nova fórmula de cálculo do preço de transferência. Essa fórmula constava da Instrução Normativa nº 243, de 2005, da Receita, mas as empresas conseguiam derrubar as regras na Justiça ou no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Elas alegavam que a fórmula só poderia ser imposta por lei. Como MP tem força de lei, passa a valer definitivamente o cálculo da instrução normativa. “As decisões antigas só valem para operações realizadas até dezembro de 2009”, afirma Ana Carolina.
A MP traz, no entanto, uma possibilidade de negociação com a Receita Federal. O Fisco pode alterar o percentual se algum setor prejudicado conseguir demonstrar que a margem de lucro aplicada deveria ser menor. “Para os importadores de bem para revenda isso será importante”, diz a advogada Clarissa Machado, do escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados.
As novas regras de preço de transferência já estão em vigor. Para advogados, no entanto, só deveriam valer, no caso de majoração tributária, a partir de abril para a CSLL. No caso do IR, só em 2011. O advogado Luiz Felipe Centeno Ferraz, do escritório Demarest & Almeida Advogados, defende que qualquer aumento de imposto por MP só vale a partir do ano seguinte da sua conversão em lei. “Em relação a contribuições, um aumento só passa a valer após 90 dias da publicação da MP”, afirma.
Fonte: Valor Econômico