Industrialização por encomenda: IPI ou ISS

Por Ricardo Lodi Ribeiro e Lívia Pinheiro Lopes

Vários municípios vêm procurando tributar a chamada “industrialização por encomenda” com base na Lista de Serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 2003, a partir do entendimento de ela representar, sempre, uma encomenda realizada pelo tomador dos serviços, conforme especificações individualizadas.

É de notar que esta concepção dos Fiscos locais não cede ainda que exista genuíno processo de industrialização envolvido, tributável pelo IPI, acarretando uma bitributação (ISS e IPI) não autorizada pela nossa Constituição.

Vale esclarecer que, para efeito de incidência do IPI, considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo, conforme o artigo 46, parágrafo único, do Código Tributário Nacional (CTN).

Sabemos que o IPI não incide sobre o processo de industrialização em si, mas sobre a circulação de produtos industrializados. Entretanto, é essencial definir o que se entende por “industrialização”, a fim de identificar quais bens sofreram transformações deste tipo, e que, consequentemente, serão tributados pelo imposto federal.

Segundo o CTN, “processo de industrialização” comporta qualquer atividade, mesmo incompleta, parcial ou intermediária, que provoque no produto modificação de sua natureza, alteração de sua finalidade ou seu aperfeiçoamento para o consumo.

Desse modo, a industrialização por encomenda também pode se inserir na competência federal quando pressupõe uma operação de industrialização. Ou seja, existem casos em que havendo industrialização por encomenda a operação estará sujeita ao IPI; e outros em que restará caracterizada uma prestação de serviço por encomenda, e, assim, o enquadramento correto será no campo do ISS.

Embora a matéria tenha sido objeto de alguma confusão nos tribunais, hoje já é possível determinar com maior segurança a adequada disciplina aplicável à questão. Não obstante a definição da incidência do IPI ou do ISS deva levar em consideração os aspectos do caso concreto, a Constituição nos oferece algumas certezas advindas da delimitação das competências tributárias.

Sendo o ISS um imposto residual em relação ao IPI, será preciso afastar as características centrais que levam à exigência do imposto federal, a fim de verificar a manifestação legítima do poder de tributar municipal através do ISS. São elas: generalidade no desenvolvimento da atividade, o que se traduz em ser ela prestada em escala industrial, modificando bens próprios ou de terceiros de forma padronizada – por exemplo: transformação de cabines simples de Pick Ups em cabines duplas (REsp nº 136.398/RS) -, natureza intermediária do serviço diante da essência da prestação fornecida ao usuário, revelada pela comercialização de um produto industrializado – como a fabricação de móveis por encomenda, a despeito de a produção ter sido realizada a partir de especificações do usuário, não enseja cobrança de ISS – REsp nº 395.633/RS).

Outro ponto seria o fornecimento de materiais, no todo ou em parte, pelo prestador, a teor do REsp nº 959.258/ES; e a não destinação da atividade ao usuário final, mas sim a estabelecimento que realiza a industrialização ou comercialização. Esse critério foi utilizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na ADI MC nº 4.389/DF para afastar a exigência de ISS sobre os serviços gráficos.

Quanto ao fato de a industrialização realizar-se a partir de pedido com especificações que esmiúce as características do material a ser industrializado (dimensões, qualidade, tipo etc.), tal não pode ser considerado como determinante para a caracterização de um serviço, sujeito ao ISS. Especialmente em processos de industrialização que exigem a aplicação de tecnologia de ponta, guardando necessidade de alta especialização para seu desempenho, somando-se a isto o fato de que o know-how para a sua produção é detido por poucas empresas do mercado.

A este respeito vale transcrever passagem do voto da ministra aposentada Ellen Gracie na citada decisão do Plenário do STF (ADI MC nº 4.389/DF): “De nada adianta à indústria compradora das embalagens que delas constem as inscrições necessárias, se forem entregues em dimensões inadequadas ao produto que nelas será acondicionado, se o material não for apropriado à sua proteção ou conservação, se não tiver a resistência necessária para o empilhamento e transporte pretendidos (…).

Conclui-se, pois, que a compra de embalagens, ainda que mediante encomenda, não constitui sequer operação mista, não se sujeitando à incidência do ISS”.

Face ao exposto, o que irá definir a tributação correta em cada caso concreto, se pelo IPI ou pelo ISS, excludentes que são as incidências de ambos, serão as circunstâncias de cada situação, balizadas pela materialidade constitucional de cada um dos impostos, conforme ilustramos.

Ricardo Lodi Ribeiro e Lívia Pinheiro Lopes são, respectivamente, professor adjunto de direito financeiro da UERJ, sócio fundador do Escritório Lodi e Lobo Advogados e advogada no mesmo escritório

Fonte: Valor Econômico

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