Falta de conhecimento sobre declaração de movimentações à Receita causa transtorno a quem aplica em papéis na Bolsa
Para especialistas, regras para pagamento de IR são confusas; movimento acima de R$ 20 mil tem de ser informado ao fisco
Toni Sciarreta
Fabricio Vieira
Com a popularização das aplicações na Bolsa e o aumento da fiscalização da Receita Federal, muitos pequenos investidores têm tido problemas na hora de declarar o Imposto de Renda. Regras complexas, pouca assessoria e falta de conhecimento têm causado dor de cabeça para muita gente.
O cenário tem feito algumas das principais corretoras do mercado, como a Ágora e a Icap, criar sistemas para tentar facilitar o pagamento do imposto -sobre os ganhos, incide IR de 15%, mas isso apenas se o cliente tiver movimentações acima de R$ 20 mil no mês.
As regras de recolhimento estão entre as mais complexas, burocráticas e confusas de toda a legislação tributária brasileira, segundo especialistas. O procedimento (veja quadro ao lado) envolve o preenchimento de Darf (Documento de Arrecadação de Receitas Federais), em papel ou eletrônico, e o recolhimento mensal do contribuinte, fato que era importante nos anos 80 à época da inflação.
“É um procedimento complicado para a pessoa física. Há uma lógica completamente diferente daquilo que o contribuinte está acostumado a fazer na declaração anual. Há muitas regras e várias exceções”, diz Rogério Ramos, tributarista da consultoria da IOB.
Poucos são os investidores pessoa física que conhecem os mecanismos de compensação de perdas, que permite reduzir prejuízos de algumas operações com os ganhos de outras.
As corretoras afirmam também que poucos clientes conhecem o benefício fiscal para movimentações mensais abaixo de R$ 20 mil, hoje o maior apelo do “homebroker” em relação aos fundos de ações, que têm imposto retido na fonte e sofrem a diluição do come-cotas. Alguns clientes fazem operações mensais pouco acima de R$ 20 mil e acabam tendo de recolher o Imposto de Renda sobre todo o ganho, e não apenas na parte que ultrapassa o limite de isenção, como acontece na declaração anual.
Por exemplo, se um investidor comprou um lote de ações por R$ 10.000 e vendeu um ano depois por R$ 20.005, teve um ganho de capital de R$ 10.005. Supondo que não tenha feito nenhuma outra operação no mês, terá de pagar IR porque movimentou mais de R$ 20 mil. No caso, terá de pagar R$ 1.500,75 relativos aos 15% do ganho integral de R$ 10.005. Se tivesse vendido só R$ 19.999, não teria de pagar nada e ainda teria ganho de R$ 10.000.
O crescimento acelerado da participação do investidor pessoa física na Bolsa de Valores nos últimos anos não foi acompanhado por revisões nas regras tributárias para o segmento. Os procedimentos para o recolhimento de imposto seguem praticamente os mesmos do final dos anos 80, com revisões pontuais em 1995 e 2004.
Atualmente, estão cadastrados na BM&FBovespa 556.830 investidores pessoa física, o maior número já registrado. Em 2002, os cadastros não alcançavam 100 mil pessoas.
Segundo as corretoras, a maioria dos clientes de pequeno porte simplesmente ignorava o recolhimento, seja para sonegar o imposto devido ou porque não sabia como fazê-lo.
A Receita passou a apertar o cerco a esses investidores em 2004, quando instituiu o recolhimento na fonte de 0,005% de todas as transações, com objetivo de facilitar a fiscalização.
CORRETORAS JA AJUDAM INVESTIDOR COM IR
Instituições criam robô para coletar dados, calcular se há tributo a recolher e encaminhar guia para pagamento no banco
Associação de investidores critica corretoras por darem pouca informação sobre declaração e afirma que só algumas fornecem assessoria
A demanda dos clientes, cada vez mais exigentes e interessados em ações, tem feito as corretoras buscarem saídas para tentar sanar problemas enfrentados pelos investidores na hora de declarar o tributo ao fisco.
“A gente vê que as pessoas que não declaram não tinham objetivo de sonegar. É porque é complicadíssimo fazer isso. Mas não dá mais para não declarar. Essa era a maior demanda dos nossos clientes em termos de produto. Eles querem que a corretora facilite a vida deles. Perguntavam se a corretora não poderia dar tudo mastigado e fazer para ele”, disse Paulo Levy, diretor da MyCap, “homebroker” da corretora Icap Brasil, que pretende lançar sua ferramenta no dia 1º.
Os milhares de pequenos investidores que foram à Bolsa nos últimos anos encontraram um mercado pouco preparado para auxiliá-los quando o assunto é Imposto de Renda. Mais do que falta de preparo, analistas avaliam que muitas instituições financeiras preferiram apenas não se envolver nesse terreno arenoso.
“Como o tema é bastante complexo e até confuso, parece que as corretoras preferem não se envolver. Assim, caso a declaração dê problemas depois, não podem ser responsabilizadas. As corretoras ainda dão pouca informação quando o assunto é IR. Poucas são as que oferecem uma assessoria mais ampla”, afirma Paulo Portinho, gerente-geral do INI (Instituto Nacional de Investidores).
Com a popularização das aplicações na Bolsa, as corretoras começam a explorar esse nicho e o cenário tende a mudar. Apesar de a Bolsa estar com retorno negativo no momento -acumula queda anual de 1,44%-, 2009 foi o melhor ano desde 2003, o que deu novo ânimo aos investidores, e nunca houve tanta gente cadastrada. Em janeiro, a pessoa física foi a categoria que mais negociou (31,45% do total).
“A pessoa física está acostumada a ter o IR retido na fonte ou fazer declaração de ajuste. O imposto da renda variável não tem nada a ver com isso”, diz Helio Pio, diretor da Ágora, que lança sua ferramenta em abril.
Paolo Mason, diretor da Win Trade, que elabora uma ferramenta para auxiliar o cliente com o IR, diz que “é normal aparecerem nessa época do ano clientes querendo saber como pagar IR das aplicações que fez o ano todo”. “Muita gente desconhece que, no caso das ações, isso é feito mensalmente”, diz.
No caso da Icap e da Ágora, a ferramenta será um robô que vai coletar as informações a partir da execução das ordens do cliente. Após o fim do mês, o robô
Fonte: Folha