Judiciário afasta cobrança de IPTU de imóveis rurais em área urbana

Contribuintes têm sido obrigados a provar a destinação rural de propriedades situadas na área urbana ou de expansão urbana das cidades para terem o direito de recolher o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) em vez do IPTU, normalmente mais caro. Em decisões recentes, o Judiciário anulou cobranças do IPTU quando o proprietário demonstrou o uso econômico do bem – inscrição de produtor rural, notas fiscais de compra de insumos e venda da produção agrícola e contratos.


Esses casos chegam à Justiça como desenrolar de uma orientação do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A Corte definiu, em recurso repetitivo, que incide ITR sobre imóvel localizado na área urbana do município, desde que comprovadamente usado em exploração extrativa, vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial (Tema 174, REsp 1112646).

“A atividade rural precisa estar claramente configurada e deve de fato existir. Não é só colocar doze cabeças de gado”, afirma o advogado Evandro Grili, sócio na Brasil Salomão e Matthes Advocacia. Ele explica que a discussão é frequente em zonas de expansão urbana, em que o cenário rural se mistura com o início do loteamento de área para habitação, comércio e indústria.

Em julho, a 2ª Turma Recursal da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) derrubou uma cobrança de IPTU do período de 2009 a 2013, com a demonstração de que – antes da área ser loteada em 2013 – havia a criação de equinos e vacas leiteiras na propriedade de 41 mil metros quadrados.

“A parte autora acostou aos autos extrato da Receita Federal, comprovando a declaração anual de ITR sobre a área total em que estava contida a fração em debate nesta demanda. O documento comprova, inclusive, que havia o recolhimento do ITR sobre a área desde 2009, com identificação do valor, data do pagamento e do banco recebedor”, afirmou o juiz Daniel Henrique Dummer, relator (processo nº 0047646-49.2019.8.21.9000).

Em São Paulo, a 2ª Vara da Fazenda Pública de São José dos Campos derrubou, em novembro, uma cobrança de IPTU de R$ 280 mil, com juros e multa, referente aos anos de 2015 e 2020. A sentença beneficiou a proprietária do terreno de quase 52 mil metros quadrados que recolhe, ao ano, R$ 400 de ITR.

“Juntamos o contrato de arrendamento com quem está na posse do imóvel, fotos com os bois em cima do terreno, carnê de vacinação e compra dos insumos”, afirma Florence Haret, advogada que representou a contribuinte. A sócia do NHM Advogados acrescenta, contudo, que, no caso também não estavam preenchidos os requisitos do Código Tributário Nacional (CTN) para exigência do IPTU.

Pelo artigo 32, parágrafo primeiro, do CTN, o imposto pode ser cobrado se a propriedade estiver em área urbana e tiver pelo menos duas de cinco utilidades: meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; abastecimento de água; sistema de esgoto sanitário, rede de iluminação pública; escola primária ou posto de saúde próximos.

“A cobrança de IPTU se dá com o preenchimento dos requisitos legais. Se não estão presentes, não é devida a cobrança do imposto, independentemente de haver ou não utilização rural ou cobrança de ITR”, afirmou a juíza Naira Assis Barbosa, na decisão (processo nº 1003435-82.2020.8.26.0577).

Há decisões desfavoráveis, porém, para quem não consegue comprovar a atividade rural. No Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), a 15ª e a 18ª Câmaras de Direito Público, em decisões proferidas em novembro deste ano e no mesmo mês do ano passado, negaram pedido de um hotel fazenda de Serra Negra, no interior do Estado, para cancelar exigência do IPTU de 2012 a 2016.

Os desembargadores consideraram perícia feita no local que atestou que “independente de possuir atividade rural, plantações, culturas, criações de bovinos, ovinos e cavalos, além de grande área verde destinada à reserva legal, o uso principal do imóvel é a exploração de um hotel fazenda”. Citaram ainda que o gasto mensal com energia elétrica chega a R$ 100 mil e que existe área construída de grandes dimensões (processos nº 10001018320208260595 e nº 10008391320168260595).

Para especialistas, a disputa também abre a discussão sobre o “IPTU ecológico” – redução do valor do imposto para o proprietário que protege áreas verdes ou adota práticas sustentáveis, como uso reciclável de água ou de energia limpa. Ao menos sete capitais têm políticas nesse sentido, entre as quais São Paulo, Curitiba, Salvador e Belém.

A questão é colocada porque – ao contrário do que ocorre com o ITR que prevê a exclusão de áreas verdes da tributação – o IPTU, na grande maioria dos municípios, é exigido sem considerar o meio ambiente. “É um modelo simplório que favoreceu uma urbanização violenta”, afirma Ricardo Almeida, assessor jurídico da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf).

Para a advogada Florence Haret, o IPTU não poderia recair sobre 100% da propriedade quando existe limitações como a reserva legal, área de preservação ambiental ou corredor ecológico. “O proprietário não pode ser sancionado com IPTU em terreno que não tem plena propriedade, pelo dever de proteger o verde para todos”, diz.

Fonte: Valor Econômico via APET

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