Cada vez mais tem se tornado insustentável a manutenção da desigualdade de direitos entre os empregados domésticos e os demais trabalhadores. A constatação partiu da ministra Maria Cristina Peduzzi, relatora, na Seção Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do TST, de embargos de uma empregadora contra decisão da Quarta Turma do Tribunal, que reconheceu o direito de um empregado doméstico a receber em dobro os pagamentos relativos às férias concedidas após o prazo, ao fundamento de que é aplicável aos empregados domésticos a indenização prevista no artigo 137 da CLT.
Contratado em junho de 1995 para exercer a função de vigia, o empregado trabalhou até o seu falecimento, em outubro de 99, mas, segundo a reclamação trabalhista ajuizada pelo espólio do empregado na 18ª Vara do Trabalho de Curitiba, em maio de 2000, a sua carteira de trabalho foi anotada somente em início de agosto de 1995. Insatisfeita com a decisão de primeiro grau, contrária a suas pretensões, o espólio recorreu ao Tribunal Regional da 9ª Região (PR), que acresceu à condenação a remuneração das férias não usufruídas e o pagamento de domingos e feriados, em dobro, com reflexos.
Descontente com a decisão do Regional, a empregadora recorreu do TST. A Quarta Turma observou que o Tribunal Regional assinalara não ter sido possível comprovar o pagamento das férias ao empregado além do salário mensal e do terço constitucional. Entendeu-se, portanto, que os pagamentos, sem que o empregado tenha efetivamente saído de férias, correspondem “à retribuição ao trabalho prestado no período, em que o terço constitucional deve ser compensado quando da paga efetiva das férias”.
O acórdão da Quarta Turma ressaltou que o artigo 134 da CLT impõe a concessão das férias em um só período, nos doze meses subseqüentes à data em que o empregado tiver adquirido o direito. “Isso porque na gênese desse instituto, encontram-se fundamentos relacionados às demais formas de limitação do tempo de trabalho: de natureza biológica (combate aos problemas psicofisiológicos provenientes da fadiga e da excessiva racionalização do serviço); de caráter social (possibilita maior convívio familiar/social, práticas de atividades recreativas, culturais e físicas, essenciais à saúde física e mental do indivíduo); e de natureza econômica (o combate à fadiga resulta em maior quantidade e melhor qualidade de serviço, valendo salientar que o trabalhador estressado tem seu rendimento comprometido, por razões biológicas, uma vez que o ser humano não suporta carga superior à sua natureza, como destacado, incluindo-se, nesse item, maior número de empregos)”, afirmou o redator do acórdão, ministro Ives Gandra Martins Filho.
Diante dos inúmeros indicadores jurídicos, respaldados em estudos médicos e psicológicos, que apontam o desgaste do trabalhador após um ano contínuo de trabalho, realizando no mesmo ambiente tarefas repetitivas, normalmente sob o fator estressante da cobrança produtiva, a Quarta Turma destacou a preocupação do legislador em evitar que o benefício das férias se desvirtue, “tanto pelo interesse do empregador quanto pelo do empregado, que por vezes procura negociar esse direito por um pseudo-benefício econômico incapaz de compensar o prejuízo causado, mesmo que a médio ou longo prazo, pela ausência do gozo regular das férias ou de outras formas de repouso previstas na legislação”.
A Turma concluiu, que mesmo que tenha havido o pagamento do salário mensal acrescido do terço constitucional, tendo sido constatada a não-concessão das férias no prazo legal, impõe-se o pagamento em dobro, sem prejuízo da remuneração, pois acima de tudo trata-se de direito decorrente de norma que tem a finalidade de proteger o trabalhador.
Segundo a relatora dos embargos da empregadora à SDI-1, ministra Cristina Peduzzi, a questão da fruição das férias dos empregados domésticos é controversa e tem gerado decisões em sentidos diferentes no TST: ora entende-se que é devido o pagamento em dobro, quando as férias são concedidas após o prazo, conforme o referido artigo 137 da CLT; ora, ao contrário, que o direito não é extensível àqueles empregados. “Cabe à SDI-1 uniformizar o entendimento do Tribunal sobre o tema”, afirmou a relatora.
A Constituição, em seu artigo 7º, parágrafo único, restringe os direitos dos empregados domésticos ao salário mínimo, irredutibilidade salarial, 13º salário, repouso semanal remunerado, férias, licença à gestante, licença-paternidade, aviso prévio, aposentadoria e integração à previdência social. O artigo 7º “a” da CLT, por sua vez, estatui que os seus preceitos não se aplicam àqueles empregados, salvo quando for expressamente determinado em contrário. Apesar disso, a ministra ressaltou que “o julgador deve, no exame do caso concreto, buscar a interpretação que melhor se acomode tanto à história institucional quanto aos princípios aplicáveis à hipótese”.
A ministra Cristina Peduzzi assinalou que “recentes modificações legislativas autorizam a conclusão de que há um movimento histórico que revela a tendência normativa de tornar cada vez mais eqüitativo os direitos dos trabalhadores domésticos em relação aos direitos usufruídos pelos demais empregados”. Nesse sentido, citou a Lei nº 11.324/2006, que ampliou o período de férias daqueles empregados para 30 dias, em paridade com os demais trabalhadores, e estendeu às gestantes da categoria o direito à estabilidade desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Por sua vez, a Lei nº 10.208/2001 autorizou a inclusão facultativa do empregado no FGTS. (E-RR-13145-2000-652-09-00.8)
(Mário Correia)
Fonte: TST – Tribunal Superior do Trabalho