Justiça condena por uso de informação privilegiada

Ex-diretor da Sadia e ex-integrante do conselho de administração da empresa foram os primeiros condenados no Brasil pelo crime de insider trading. Segundo a denúncia do Ministério Público Federal em São Paulo, em virtude de suas funções, ambos os réus tiveram, em abril de 2006, informações privilegiadas da oferta pública da Sadia pelo controle acionário da então concorrente Perdigão, que ocorreria três meses depois e, com isso, lucraram negociando ações da Perdigão na Bolsa de Valores de Nova York.

Foram condenados pelo juiz federal substituto Marcelo Costenaro Cavali, da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, especializada em crimes financeiros e lavagem de dinheiro, o ex-diretor de Finanças e Relações com Investidores da Sadia, Luiz Gonzaga Murat Filho, por incorrer duas vezes no crime de insider, e o ex-membro do Conselho de Administração da companhia, Romano Alcelmo Fontana Filho, por quatro práticas do mesmo crime, previsto no artigo 27-D da Lei 6.385, de 1976, alterado pela Lei 10.303/2001.

Murat foi condenado ao pagamento de multa no valor de R$ 349.711,53 e a pena de um ano e nove meses de prisão, convertida na prestação de serviços comunitários e na proibição de exercer função de administrador ou conselheiro de companhia aberta pelo mesmo prazo de cumprimento da pena. Fontana recebeu multa de R$ 374.940,52 e a pena de um ano, cinco meses e 15 dias de prisão, convertidos também em prestação de serviços e proibição de exercício de função semelhante por igual período ao da pena.

As penas de multa serão revertidas para a Comissão de Valores Mobiliários e, segundo a decisão, os recursos devem ser convertidos pela autarquia em campanhas para a “conscientização dos investidores sobre os malefícios da prática do insider trading”.

Murat e Fontana Filho poderão recorrer em liberdade. A instituição e os serviços que serão prestados por ambos serão definidas pelo juízo da Execução Penal.

O procurador da República Rodrigo de Grandis, responsável pelo caso, recorreu de parte da decisão de Cavali para pedir o aumento da pena de Murat e Fontana Filho e a condenação de ambos a reparar os danos coletivos causados pelos crimes. Para Grandis, entretanto, o recurso não reduz a importância histórica da decisão judicial. “O caso também demonstrou a sintonia do MPF com a CVM, que foi assistente de acusação. A União das instituições em prol do interesse público foi fundamental ao excelente desfecho do caso”, disse.

Na denúncia do MPF, ajuizada em maio de 2009, também havia sido acusado o ex-superintendente executivo de empréstimos estruturados do ABN-Amro, Alexandre Ponzio de Azevedo. Em abril de 2010, o processo contra ele foi suspenso condicionalmente mediante o cumprimento, pelo acusado, de algumas obrigações perante a Justiça Federal. Se as condicionantes forem cumpridas, o processo contra ele será arquivado.

De acordo com o MPF, a oferta da Sadia pela Perdigão ocorreu em 16 de julho de 2006 e o edital foi publicado no dia seguinte. Murat, Azevedo e Fontana Filho participaram das discussões e tratativas visando a elaboração da oferta ao mercado e obtiveram informações privilegiadas.

No dia 7 de abril de 2006, quando a proposta foi aprovada pelo conselho da Sadia, Murat fez a primeira compra de ações da Perdigão na bolsa de Nova York, comprando 15.300 ADR’s (american depositary receipts), a US$ 23,07 cada. Em junho, sabendo da proximidade do anúncio do negócio, o executivo comprou mais 30.600 ADR’s, elevando sua carteira para 45.900 ações, a US$ 19,17 cada papel. Cada compra ocorreu mediante informações privilegiadas que obteve sobre os andamentos da oferta da Sadia pela Perdigão, incorrendo duas vezes no crime de insider trading.

Em 21 de julho, assim que soube que a Sadia havia desistido de comprar a Perdigão, Murat esperou que a decisão se tornasse pública e vendeu as ações, tendo um lucro menor que o esperado. A venda, nesse caso, não foi considerada crime pelo MPF, pois foi realizada após a devida publicidade da revogação da oferta.

Fontana Filho incorreu quatro vezes no crime de insider trading, pois efetuou quatro operações de compra e venda mediante informações privilegiadas. O executivo comprou três lotes da Perdigão, totalizando 18.000 ações, na Bolsa de Nova York, por US$ 344.100, entre 5 e 12 de julho, poucos dias antes do anúncio da oferta. Ele vendeu todas as ações em 21 de julho de 2006, mesmo dia da recusa da Perdigão, por US$ 483.215,40, lucrando US$ 139.114,50. A venda, entretanto, deu-se antes da publicação da desistência da Sadia e, por isso, foi considerada crime pelo MPF.

As defesas de Murat e Romano alegaram, em síntese, que ambos haviam sido punidos na esfera administrativa pela Securities and Exchange Comission (SEC), nos EUA, e pela CVM, no Brasil, e que a acusação do MPF seria um bis in idem, uma repetição. Paralelamente, a defesa de Murat requereu que o acusado também tivesse direito à suspensão condicional do processo por entender que, no máximo, ele teria cometido apenas um crime de insider. Já a defesa de Romano arguiu ainda que a Justiça Federal não seria competente para processar esse tipo de crime.

O juiz Cavali rejeitou todas as preliminares e questões de mérito levantadas pelas defesas. Para ele, os crimes contra o mercado de capitais constituem delitos contra o Sistema Financeiro Nacional e devem não só ser processados pela Justiça Federal, como também pelas Varas Especializadas em Crimes Financeiros e Lavagem de Dinheiro.

Sobre a tese de bis in idem, Cavali a rejeitou, pois a legislação brasileira considera crime a prática do insider trading, “vindo a sanção penal a se somar às já existentes regras de responsabilização civil e administrativa do insider”.

Já sobre a versão apresentada em juízo por Murat de que teria cometido apenas um crime de insider, pois na primeira aquisição, em 7 de abril de 2006, ainda não era certo que a Sadia se preparava para fazer a oferta pela Perdigão, o juiz decidiu que esta “não merece crédito”.

Para o juiz, após a análise de todo o processo, ficou “robustamente caracterizada a prática do delito de negociação de valores mobiliários (ações) mediante o uso de informação privilegiada pelos acusados Luiz, por duas vezes, e Romano, por quatro vezes”, sentenciou.

A pena de Murat foi estabelecida num patamar maior do que a de Fontana Filho, pois este usou uma offshore para adquirir as ações, o que evidenciaria, segundo Cavali, “a tentativa de ocultar das autoridades brasileiras a negociação realizada”. Outro elemento considerado para elevar sua pena foi a quebra do dever de sigilo que Murat tinha, pois, na posição que ocupava, era um dos líderes de todo o processo de tentativa de aquisição do controle acionário da Perdigão e cabia a ele também, como diretor de relação com investidores, “o dever de proteger a companhia e o próprio mercado de condutas contrárias a seu bom funcionamento”. Com informações da Assessoria de Imprensa do MPF-SP.

Ação Penal 0005123-26.2009.403.6181

Fonte: Conjur

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