Uma empresa do setor naval conseguiu na Justiça o direito de recuperar os valores gastos com armazenagem de carga e demurrage (sobre-estadia de contêiner) no porto do Rio de Janeiro.
A União foi condenada a ressarcir a quantia de R$ 500 mil diante da demora da Receita Federal para liberar as mercadorias no desembaraço aduaneiro.
O Fisco levou 23 dias para concluir o despacho de importação quando a legislação determina um prazo máximo de oito dias. Atrasos nos desembaraços, dizem advogados, são comuns e os custos muito altos porque as cargas precisam ficar na zona alfandegada sob controle da Receita Federal.
“Mas nem sempre os pedidos de ressarcimento são levados à Justiça. Há receio de retaliações”, afirma a advogada Jeniffer Pires, sócia do escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados, que atuou no caso.
No processo de importação, a carga pode passar por uma de quatro faixas de fiscalização: verde, amarela, vermelha ou cinza. Na vermelha, os fiscais analisam a documentação, mas também vistoriam fisicamente a mercadoria. A recente sentença, diz Jeniffer, é o primeiro precedente para ressarcimento de custos na
Justiça Federal do Rio relacionado ao chamado canal vermelho.
“Até então, tínhamos precedentes de ressarcimento relacionados ao canal cinza, em que há verificação de indícios de fraude”, afirma Jeniffer Pires. Segundo especialistas, a sentença também é relevante por ter sido proferida por uma vara especializada em direito aduaneiro e comércio exterior. O que, dizem, faz diferença no resultado dos julgamentos.
“Decisões como essa demonstram a importância das varas especializadas. É muito bem fundamentada. O juiz tem domínio total dos conceitos aduaneiros e ciência dos procedimentos de desembaraço”, afirma Renata Sucupira Duarte, vice-presidente da Comissão de Direito Marítimo, Portuário e Aduaneiro da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP).
Em São Paulo, já há um pleito da OAB-SP no Tribunal de Justiça do Estado (TJSP) para a criação de uma vara especializada na cidade de Santos.
No Rio de Janeiro, pesou para o juiz Wilney Magno de Azevedo Silva, da 16ª Vara Federal, o fato de a Receita Federal não ter apontado motivos para o atraso na liberação da carga. No caso, eram baterias que foram importadas para serem usadas no conserto de uma embarcação.
Para o magistrado, o contribuinte teve que arcar com despesas para as quais não deu causa. “Logo, tais desembolsos são decorrência lógica da indevida retenção das mercadorias”, diz ele na decisão.
Segundo o juiz, “a União não demonstrou a ocorrência de qualquer fato de natureza extraordinária que pudesse justificar o não cumprimento do prazo de oito dias para conclusão do desembaraço aduaneiro”.
Caberia à União, acrescenta o magistrado, “demonstrar quantos, dos 23 dias em que o processo de desembaraço aduaneiro tramitou, foram utilizados pelo importador para cumprimento de eventuais exigências”. Mas não o fez, acrescentou (processo nº 5029703-47.2022.4.02.5101).
No processo, a Advocacia-Geral da União (AGU) defendeu que as taxas de armazenagem em recinto alfandegado são ônus do negócio jurídico a ser suportado, em regra, pelo importador. “Não há relação jurídica que obrigue a União ao pagamento de referidas despesas”, afirma.
Procurada pelo Valor, a AGU informou que aguarda subsídios da Receita Federal para avaliar as medidas judiciais cabíveis.
Fonte: Valor Econômico