Por Fernando Torres | De São Paulo
São Paulo é desde ontem o palco de uma maratona de encontros que abre uma rodada global de debates sobre como as empresas devem reconhecer as receitas nos seus balanços. As reuniões continuam ao longo desta quarta-feira na capital paulista e novas discussões sobre o tema estão agendadas para os próximos dias na Malásia, no Japão, no Reino Unido e nos Estados Unidos.
Na pauta, a nova norma sobre reconhecimento de receita, que exigirá mudanças e melhores controles de todas as companhias sobre o registro de suas vendas na contabilidade.
O princípio básico da nova norma é que a receita deve ser reconhecida quando o controle sobre um bem ou serviço é transferido para o comprador, com a possibilidade de isso ocorrer em um único momento ou ao longo do tempo.
Embora na maioria dos casos pareça simples identificar quando isso ocorre, a realidade mostra que nem sempre existe acordo sobre quando e como uma receita deve ser registrada, e nem sobre o valor da operação.
A norma cria o conceito de “performance obligation”, que pode ser traduzido para “obrigação (ou meta) a cumprir”.
Um único contrato pode ter várias obrigações a cumprir, e a receita ligada a cada uma delas deve ser reconhecida de forma separada. Em um exemplo, uma operadora de telefonia que vende um celular e um plano para o cliente precisará reconhecer receita e custo de venda do produto no momento inicial e a do serviço ao longo do tempo.
A série de debates sobre esse tema é a reta final de um processo que já dura quase dez anos, e está sendo conduzido em conjunto pelo Fasb e Iasb, órgãos responsáveis pelo padrão de contabilidade americano (US Gaap) e internacional (IFRS), respectivamente, sendo que este último é adotado no Brasil desde 2010.
Após essa rodada de discussão com agentes de mercado em todo o mundo, os dois órgãos esperam publicar o texto final da norma entre o fim deste ano e início de 2013. Não existe previsão para quando as regras passarão a valer, mas isso não ocorrerá antes do exercício de 2015.
Ainda que a mudança só tenha impacto prático no longo prazo, especialmente empresas e auditores já estão atentos para suas consequências.
Presente nos encontros de ontem, o único brasileiro a participar da diretoria do Iasb, Amaro Gomes, enfatizou que os investidores precisam tomar parte das discussões. “A participação deles é muito pequena”, afirmou.
Os setores de incorporação imobiliária e de telecomunicações estarão entre os mais afetados pela nova norma (veja mais nesta página), mas os impactos poderão reverberar para todas as indústrias e até mesmo bancos.
Na série de encontros ao longo do dia ontem, em São Paulo, uma técnica do Iasb, Allison McManus, e outra do Fasb, Kristin Denise Bauer, discorreram sobre os retornos que tiveram de participantes de mercado desde que a última versão da norma foi colocada em audiência pública, em novembro.
Tirando as questões setoriais, os pontos de maior atenção envolvem: o ajuste a valor presente da receita recebida ao longo do tempo; como se registrar a expectativa de perda por inadimplência no momento da venda; e o reconhecimento prejuízo em “obrigações a cumprir” específicas dentro de um mesmo contrato.
Em relação ao ajuste a valor presente, Kristin esclareceu que a regra não impede que as empresas o façam mesmo que o prazo de recebimento seja inferior a 12 meses. “Se o ambiente da entidade for de inflação e juros altos, cabe à empresa julgar se o componente financeiro é relevante.”
Sem dar detalhes de qual será a resposta, ela mencionou que muitos agentes de mercado pediram mais esclarecimento sobre como devem registrar a previsão de perda por inadimplência quando fizerem uma venda. Kristin disse que essa regra está relacionada à que trata especificamente sobre provisão para recebíveis, mas que não a substitui, já que uma trata apenas do “momento zero” e a outra da vida toda do contrato.
Em relação à previsão de que uma perda deve ser registrada sempre que uma única “obrigação a cumprir” indique prejuízo, Allison afirmou que a rejeição dos participantes no mercado foi “praticamente universal”. A preferência é que isso ocorra apenas se todo o contrato indicar perda.
Fonte: Valor Econômico