Micro e pequenas empresas batem recorde e lideram pedidos de recuperação judicial

As micro e pequenas empresas bateram, em julho, recorde de pedidos de recuperação judicial. Foram apresentados 166, o que representa 72,8% do total de 228 solicitações de renegociação de dívidas efetuadas por companhias de todos os portes. Esses são os maiores números para o mês da série histórica da Serasa Experian, que iniciou os registros em 2005.

O acumulado anual dos primeiros sete meses, quando comparado ao mesmo período dos anos anteriores, também é sem precedentes: 879 microempresas e empresas de pequeno porte pediram tutela do Judiciário para renegociar dívidas. Essa quantidade é 25% maior do que os acumulados até julho de 2022 e 2023 somados (704) e maior que o acumulado de 2016 (657), quando houve o maior pico de pedidos de recuperação judicial já visto no país. Na comparação com julho do ano passado, a alta é expressiva: de 167,7%.

O setor de serviços também apresentou recorde em julho, superando o ano em que se realizava a Olimpíada no Rio: 94 este ano, contra 93 pedidos em 2016. No acumulado do ano, o cenário é bem pior. Um total de 516 empresas recorreu ao instituto, contra 321 há oito anos – número 61% maior. Já comércio e indústria acumulam 329 e 202 pedidos de recuperação até julho, respectivamente. Só no mês passado, foram 52 e 41 solicitações. O setor primário, onde se concentram as empresas do agronegócio, atingidas pela quebra de safra, somam 195 este ano, sendo 41 no mês passado.

Os números, compartilhados com exclusividade pela Serasa Experian, indicam que os pedidos de reestruturação judicial devem ultrapassar a marca histórica, algo que o acumulado anual já mostra. Ao todo, foram 1.242 pedidos de recuperação neste ano, somando todos os portes de empresa, contra 1.098 em 2016. As falências, porém, foram na contramão em julho deste ano e apresentam queda de 15,8% em relação ao mês período de 2023.

Segundo o economista Luiz Rabi, da Serasa Experian, a tendência é 2024 bater um “recorde olímpico” e superar o patamar de 2016, “o auge da recessão”. “É preocupante, porque reflete que tem cada vez mais empresas à beira da insolvência”, afirma. O principal motivo para a alta, diz, é o incremento da inadimplência no país. Hoje, são 6,9 milhões de empresas nessa situação, pelos dados da própria Serasa. Desde agosto de 2021 o número não para de crescer.

“Do ponto de vista macro, não estamos piores que em 2016, mas do ponto de vista da inadimplência, estamos”, afirma Rabi. “Muita coisa melhorou, mas o problema é que a inadimplência e os pedidos de recuperação judicial são os últimos vagões desse trem, são indicadores que demoram muito para melhorar depois que várias outras variáveis econômicas já melhoraram, como desemprego, que está caindo, e a economia, que está crescendo”, acrescenta.

O fato de as micro e pequenas empresas e o setor de serviços estarem liderando os pedidos de recuperação não é coincidência, de acordo com Rabi, pois é nessa bolha que se concentra a atividade empresarial do Brasil. Mas não é só. “O comércio e serviços são mais afetados pela taxa de juros de longo prazo, muito mais que a indústria, que tem a exportação como válvula de escape”, diz o economista. “São setores que dependem muito mais do mercado interno para poder direcionar sua produção”, completa.

Além disso, a crise financeira sempre é sentida de forma acentuada dentre os menores, explica a advogada Samantha Longo, sócia do Longo Abelha Advogados e integrante do Fórum Nacional de Recuperação Empresarial e Falências (Fonaref) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “As [empresas] médias ainda têm um fluxo de caixa maior, mas as pequenas não têm fluxo ou dinheiro guardado. Os pequenos empresários sobrevivem muito do dia a dia”, afirma.

Para as pequenas empresas, há pouca alternativa no mercado para equacionar os débitos, diz o administrador judicial Oreste Laspro, da Laspro Consultores, que também é professor na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). “A recuperação judicial e extrajudicial são mecanismos estruturados para solução de crise de empresas de grande porte”, afirma. “A extrajudicial depende de uma negociação complexa que precisa de bancas e assessores financeiros especializados e só as grandes têm essa disponibilidade. Para as micro e pequenas empresas, sobra a recuperação.”

Segundo Laspro, a Lei de Recuperação Judicial e Falências (nº 11.101, de 2005), prevê no artigo 70 um prazo de pagamento aos credores diferenciado para empresas menores, de 36 meses. “Mas o problema é que o prazo também é um complicador forte, porque não tem a mesma possibilidade de esticar a dívida para prazos muitos grandes. É um plano de pagamento impagável”, diz.

Para tentar melhorar esse cenário, o Fonaref dialoga com o Sebrae para auxiliar os pequenos empresários no momento pré-insolvência. O intuito é evitar o pedido de recuperação judicial através de treinamentos, palestras e capacitação para que eles conheçam outras saídas, como a mediação antecedente. “Serão várias medidas que o Sebrae vai adotar focado em evitar que as micro e pequenas empresas venham a pedir recuperação”, afirma Samantha.

A mediação antecedente foi inserida pelo artigo 20 na reforma, em 2020, da Lei de Recuperação Judicial e Falências. Nela, a empresa tem 60 dias para negociar com credores, se beneficiando do “stay period”, prazo em que ficam suspensas as execuções. Além de ser mais rápido, não inviabiliza o acesso a crédito e é menos custoso, já que não é preciso um administrador judicial. “Combina muito com esse nicho, porque as empresas de pequeno porte não têm tantos credores e os contratos não são complexos, normalmente não tem alienação fiduciária nem extraconcursais, então fica mais fácil de fazer a negociação”, diz Samantha.

Ela afirma que a mediação pode ser feita em câmaras privadas de mediação e arbitragem, que têm taxas mais vantajosas, ou nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs) de cada tribunal, que não tem custas. Nas recuperações judiciais, o custo com o processo pode chegar a 10 a 12% da dívida, segundo Oreste Laspro. Para ele, a mediação é eficiente em poucos casos, quando se tem uma dívida concentrada em poucos credores.

A tendência de melhora nos pedidos de recuperação judicial depende de uma estabilização da inadimplência, aliado com um melhora na taxa de juros e taxa cambial. Como já há certa estabilidade nos CNPJs inadimplentes desde abril, tudo indica é que a melhora comece a ser vista só no próximo ano. “Tivemos um ano e meio de aumento na inadimplência para começar a sensibilizar as estatísticas de recuperação judicial. É um processo bem lento”, afirma Luiz Rabi.

Fonte: Valor Econômico.

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