O aviso foi dado pelo professor Iran Siqueira Lima para a plateia ainda sonolenta que se preparava para o primeiro dia do evento sobre normas internacionais de contabilidade: “Preparem-se para os termos terríveis.”
Não que houvesse muitos neófitos entre os presentes, a maior parte contadores e analistas de investimentos com ouvidos afinados para novos estrangeirismos como “impairment”, algo que mesmo traduzido para “redução ao valor recuperável de ativos” não faz o mínimo sentido para a maioria dos mortais.
Mas o diretor-presidente da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi) sabia do que estava falando. Mesmo para os acadêmicos, não está fácil digerir a avalanche (para usar outro estrangeirismo) de normas contábeis que vêm surgindo, uma após outra, sob a regência do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), que reúne representantes do mundo acadêmico, das firmas de auditoria, do mercado de capitais e das companhias abertas.
Desde janeiro de 2008, quando entrou em vigor a Lei 11.638 – que criou o CPC e reformou a antiga Lei 6.404, de 1976 -, foram 14 pronunciamentos, alguns de complexidade exaltada por mestres da contabilidade, como o de instrumentos financeiros. Tudo em nome do esperanto contábil, que uma dia será resumido na sigla IFRS, os padrões internacionais de informações financeiras, em inglês.
Os “termos terríveis” criados pela regulamentação da nova linguagem não serão em vão, contemporizou o diretor-presidente da Fipecafi. “Tudo vai ficar mais simples para o investidor”, afirmou. Mas, pelo menos no curto prazo, as coisas não serão nada fáceis para os analistas, os contadores das empresas e os auditores que assinam os balanços.
“Haverá uma redução do risco percebido e, consequentemente, do custo de captação de recursos para as empresas”, disse Reginaldo Alexandre, presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec-SP), que, em parceria com a firma de consultoria e auditoria Ernst & Young, promove o “Ciclo de Palestras – Lei 11.638 – Rumo ao IFRS”, na sede da Fipecafi, em São Paulo. Amanhã, o tema serão os efeitos nos impostos, algo que, como não poderia deixar de ser, vem preocupando as empresas.
“Mais que conceituais, as mudanças terão um efeito profundo nas companhias”, afirmou Sergio Ricardo Romani, sócio da E&Y.
Não é só força de expressão. Tome como exemplo os vários pronunciamentos do CPC emitidos e ainda por vir, com temas sensíveis como combinação de negócios e ativos contingentes. Cada um desses “CPCs”, como já são conhecidos, está intrinsicamente ligado a alguma outra sigla como IAS (que remete ao Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade, Iasb, responsável por toda essa ebulição) ou algum IFRS.
Mas o que dominou as discussões durante as palestras dedicadas aos setores de energia, telecomunicações e concessões públicas foi outro termo terrível: o Ifric 12. A sigla vem do Comitê de Interpretações das Informações Financeiras Internacionais, um braço do Iasb que coloca em discussão pública as mudanças propostas nas normas.
O número 12 é especialmente assustador para as concessões públicas, porque muda a forma de contabilizar os ativos. Afinal, eles são da empresa ou do poder concedente? Dependendo de algumas nuanças, a tendência do Iasb é considerar que são de quem concede. O efeito pode ser devastador em balanços de distribuidoras de energia, por exemplo, que podem se transformar de uma empresa de capital intensivo em uma prestadora de serviços. “O assunto está gerando muita discussão na Europa e nos Estados Unidos”, alertou Marcos Quintanilha, sócio da E&Y. Não há por que ser diferente no Brasil.
Fonte: Valor Econômico