A flexibilidade e a tecnicidade dos tribunais administrativos, em especial a Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) e o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), vem merecendo amplo destaque nas discussões tributárias. Os mencionados órgãos têm possibilitado aos contribuintes oportunidades para discutirem seu legítimo direito de planejar a administração de seu caixa até o último momento antes do julgamento de seus pleitos evitando discussões junto aos órgãos judicantes.
Vale reforçar o conceito de planejamento tributário que, nesses casos, é a ação empresarial que inibe e/ou posterga a ocorrência de fatos geradores por meio de práticas de caráter eminentemente corporativas e legítimas. Nessa linha de raciocínio, os tribunais administrativos têm decidido reiteradamente pela ocorrência de simulação, caso não reste comprovado o objetivo empresarial da operação.
Dentre as discussões em destaque, o Carf trouxe à tona uma nova tendência jurisprudencial sobre o direito de dedução de despesas com juros sobre o capital próprio transferidos aos acionistas das empresas sujeitas à tributação pelo lucro real para apuração do Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Destaca-se que o posicionamento majoritário anterior assegurava às empresas a possibilidade de contabilizar retroativamente despesas incorridas com juros sobre o capital próprio e deduzi-las das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, sob o argumento de que não havia limite temporal para fruição desse benefício fiscal, desde que respeitados os critérios e os limites estabelecidos pela legislação vigente. Nesse ínterim, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 1.086.752/PR, também se manifestou favoravelmente à possibilidade de dedução retroativa dessas despesas, sob a alegação de que a Lei nº 9.249, de 1995, jamais impôs qualquer restrição nesse sentido.
Como se vê, o cenário jurisprudencial nas esferas administrativa e judicial indicava um desfecho favorável aos interesses das empresas, o que transmitia certa segurança para a dedução retroativa das despesas incorridas com juros sobre o capital próprio nas bases de cálculos do IRPJ e da CSLL.
Todavia, o Carf, contrariando as expectativas de todos, modificou o entendimento majoritário sobre a matéria ao asseverar que “os juros sobre o capital próprio, como, de regra, as demais despesas, somente podem ser levados ao resultado do exercício a que competirem” (Processo nº 19515.001145/2004-98).
Dito raciocínio está em consonância com o disposto no caput do artigo 29 da Instrução Normativa nº 11, de 1996, da Receita Federal do Brasil, in verbis: “Artigo 29 – Para efeito de apuração do lucro real, observado o regime de competência, poderão ser deduzidos os juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP)”.
Também vale a pena transcrever os ensinamentos do ilustre professor Edmar Oliveira Andrade Filho, extraído de sua obra “Imposto de Renda das Empresas” (Editora Atlas, 2006): “(…) o período da competência do encargo relativo aos juros sobre o capital é aquele em que ocorre a deliberação de seu pagamento ou crédito de forma incondicional. Sem essa deliberação a sociedade não se obriga (não assume a obrigação) e o sócio ou acionista nada pode exigir por absoluta falta de título jurídico que legitime a sua pretensão. Do ponto de vista fiscal, é no momento (período) em que o valor dos juros é imputado ao resultado do exercício que o sujeito passivo deverá observar os critérios e limites existentes segundo o direito aplicável. Portanto, é fora de dúvida que enquanto não houver o ato jurídico que determine a obrigação de pagar os juros não existe a despesa ou encargo respectivo e não há que se cogitar de dedutibilidade de algo ainda inexistente (…)”.
E, finalmente, convém lembrar que, conforme lição de L.C. Fabretti, “a dedução dos juros sobre o capital próprio tem como objetivo de compensar a extinção da correção monetária de balanços, que visava eliminar o efeito das perdas inflacionárias no patrimônio líquido e diminuir do lucro a parte referente à inflação do período, sendo proibida a partir da Lei nº 9.249, de 1995” (“Contabilidade Tributária”, 6ª edição, Editora Atlas).
Com isso, o Carf deve buscar a essência na natureza contábil dada aos juros sobre o capital próprio, nesse caso similar à correção monetária dos balanços, antes de bater o martelo sobre essa discussão.
Diante desse cenário, resta evidente a necessidade de cautela por parte das empresas para usufruir o direito de dedução de despesas com juros sobre o capital próprio transferidos aos acionistas das empresas sujeitas à tributação pelo lucro real para apuração do IRPJ e da CSLL e, consequentemente, garantir segurança necessária ao incremento de seus negócios.
Roberto Goldstajn é advogado tributarista em São Paulo
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Fonte: Valor Econômico