O financiamento de longo prazo e o BNDES

Por Pedro Luiz Barreiros Passos

Não há dúvida de que em algum momento do futuro o amplo leque de taxas de juros existente no crédito no Brasil deverá passar a refletir bem mais as taxas de mercado, a exemplo do que ocorre em outros países. Esse será um indicativo da evolução de nossa economia e, por isso, devemos mobilizar as forças de que dispomos para alcançarmos essa etapa o quanto antes. Temos assistido a manifestações que propõem o imediato fim do crédito direcionado mantido pelo Brasil nas áreas do investimento, habitação e setor rural. Alternativamente, alguns participantes do debate defendem que os financiamentos nessas áreas desde já passem a ter a taxa Selic como referência, o que os encareceria sobremaneira. O argumento é que com ações dessa ordem, a taxa básica de juros da economia poderia cair mais rapidamente.

O tema é muito relevante e seu debate deve considerar os diversos fatores que levaram à estruturação no país de um sistema especial de financiamento em paralelo ao crédito voluntário, este mais especializado em operações de curto prazo, enquanto o outro atém-se majoritariamente a operações de mais longo prazo e de maior risco. Primeiramente, cabe observar que muitas economias dispõem de algum tipo de suporte financeiro público aos setores primário e habitacional e que no financiamento do desenvolvimento, os EUA, a Alemanha, o Japão, além do mais recente fenômeno industrial que é a China, desenvolveram sistemas oficiais de financiamento de longo prazo, um modelo que em nosso país tem no BNDES o seu símbolo.

É notável a extraordinária ascensão que essa instituição vem tendo no financiamento empresarial. Mas, como alguns analistas observam, tal tendência é, antes, uma decorrência e não a causa das taxas de juros extraordinariamente elevadas em vigor por um prolongado período de tempo no país. Isso inibiu o progresso de linhas de crédito de longo prazo em nosso sistema financeiro e aprofundou o papel desempenhado pelo banco de desenvolvimento. Também deve ser destacado que o crédito dirigido no Brasil vem cumprindo certos requisitos. Tomando uma vez mais o BNDES como ilustração, é reconhecida sua competência na análise de projetos e a inadimplência em suas operações é baixíssima. Por outro lado, a despeito de críticas à concentração de seus recursos em certos setores – o que poderá ser evitado com uma maior precisão na definição de prioridades da política industrial – o fato é que o banco sempre protagonizou as mais importantes mudanças da economia brasileira.

Assim, ainda que se espere uma maior contribuição dos sistemas de financiamento existentes para o esforço de convergência das taxas de juros internas aos níveis internacionais, todo o cuidado será pouco para que não sejam desarticulados os atuais canais de financiamento que contribuem para a estabilidade e o desenvolvimento da economia. Caso as linhas de financiamento que hoje ajudam a amparar a habitação, o investimento, a inovação, o reequipamento na agricultura e na indústria, a exportação e a infraestrutura sejam descontinuadas ou seu custo seja subitamente majorado, os efeitos disso sobre a produtividade e o aumento da capacidade produtiva da economia poderão gerar efeitos contrários aos desejados.

Do nosso ponto de vista, é preciso orientar o debate na direção da formulação de uma agenda positiva de reestruturação do financiamento de longo prazo no Brasil. Tudo ficará mais factível se a taxa básica de juros tiver um percurso sustentável de queda e, nesse sentido, é decisivo que o governo mantenha e aprofunde sua manifestada intenção de reunir forças no campo fiscal e creditício para auxiliar a política de juros no combate à inflação. Isto por si só beneficiará o financiamento voluntário de longo prazo. Mas, será preciso ativar mecanismos para que, em paralelo, o financiamento do investimento na economia vá se libertando dos fundos públicos e da poupança forçada.

Desde o final de 2010 o governo vem instituindo incentivos para promover as linhas privadas de financiamento e, oportunamente, no dia 1º de dezembro deste ano reduziu de 6% para zero a alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre as aplicações de não residentes em títulos privados de longo prazo. Mas, a nosso ver, seria também oportuna uma revisão em profundidade das ações já adotadas para que mais amplos estímulos para as aplicações domésticas de longo prazos permitam alcançar o objetivo com maior brevidade. Procedendo dessa maneira, será aberto um caminho para que as reduções na taxa básica de juros tenham maior impacto no desenvolvimento do mercado de capitais. Este também será favorecido pela desindexação que o governo poderá promover na dívida pública, eliminando ou restringindo os títulos com remuneração associada à taxa Selic que tanto favorece as aplicações de curto prazo quanto desestimula a poupança de longo prazo. O resultado será um sistema onde os instrumentos de mercado, as linhas privadas e as fontes voluntárias de financiamento terão uma expressão maior mesmo entre as modalidades de financiamento hoje atendidas quase integralmente pelo crédito direcionado.

Na transição, às agências públicas, como o BNDES, caberão um papel fundamental. Deverão manter suas linhas de financiamento para não interromper o investimento, mas, gradativamente, poderão usar sua força indutora para acelerar a passagem ao novo modelo, exigindo ou incentivando maior participação do mercado de capitais no financiamento dos projetos apoiados e promovendo operações conjuntas com instituições privadas. Uma agenda como essa demandará muito empenho e complexa articulação público-privada, mas seu resultado pode ser recompensador por dotar o país de bases adequadas ao financiamento privado. O grande beneficiário será o desenvolvimento econômico e social do país.

Pedro Luiz Barreiros Passos é presidente do Iedi – Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial.

Fonte: Valor Econômico

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