De acordo com a nossa opinião, a Lei 12.382/11 regulamentou a extinção da punibilidade dos crimes tributários nas situações de parcelamento do débito tributário, não tendo afetado o disposto no § 2º do art. 9º da Lei 10.684/2003, que prevê a extinção da punibilidade em razão do pagamento (em qualquer tempo). Pagamento direto, sem parcelamento, não é a mesma coisa que pagamento antecedido de parcelamento do débito tributário. Há, assim, duas situações distintas: pagamento direto (regido pela Lei 10.684/2003) e pagamento mediante parcelamento (agora disciplinado na Lei 12.382/11). Ambos os pagamentos extinguem a punibilidade nos crimes tributários, mas suas características são completamente distintas.
Fundamentando nosso ponto de vista:
É da tradição jurídica brasileira a previsão de causas extintivas da punibilidade pelo pagamento, vinculadas aos crimes materiais contra a ordem tributária, tendo em conta a particularidade do bem ofendido (patrimônio público). Por razões de política criminal (e arrecadatória) do Estado quase sempre se preferiu receber o quantum devido do que o processo ou condenação criminal. Os tributos custeiam serviços públicos essenciais. Melhor arrecadá-los que condenar criminalmente o contribuinte. Muitos veem nisso um privilégio odioso, que favorece precisamente os mais aquinhoados.
O regramento fundamental dos delitos contra a ordem tributária e previdenciária é encontrado na lei nº 8.137/90, bem como nos dispositivos dos artigos 168-A; 334, segunda parte e 337-A do Código Penal brasileiro.
O disposto no artigo 34 da lei n.º 9.249/1995 (atrelado à Lei 8.137/90) passou a tratar da extinção da punibilidade pelo pagamento nos crimes de resultado, ao estabelecer que sendo integral (pagamento de todos os valores devidos), até o recebimento da denúncia, produz tal consequência extintiva.
Já o delito descrito no artigo 168-A, do Código Penal, passou a ter, desde sua edição, a regulamentação da causa extintiva da punibilidade no seu próprio § 2º, que contempla a extinção da punibilidade do agente quando ele espontaneamente declara, confessa e paga os valores devidos, inclusive com acessórios, antes do início da ação fiscal, entendo-se este momento como o da notificação pessoal do contribuinte da instauração da ação fiscal.
Também é encontrada previsão especial de extinção da punibilidade, sem pagamento, mas com conduta facilitadora da ação da autoridade fiscal, no crime descrito no art. 337-A do Código Penal, pois, em seu § 1º prevê a extinção da punibilidade se o agente, espontaneamente, declarar e confessar as contribuições, importâncias ou valores, prestando todas as informações devidas à Previdência Social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal.
Por outro lado, nunca houve previsão específica de causa extintiva da punibilidade para o delito de descaminho do art. 334 do Código Penal, embora consolidado o entendimento de que constitui crime tributário, razão porque se impôs a aplicação da mais regra benéfica, ou seja, a prevista na lei nº 9.249/95 (art. 34).
Note-se que até agora não falamos nada de parcelamento. Após a edição da lei nº 10.684/2003, a matéria em exame foi submetida a profunda alteração, pois esta legislação passou a prever em seu art. 9º, § 2º, a extinção da punibilidade dos crimes tributários, desde que o agente efetue o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios. O pagamento em qualquer tempo passou a ter efeito extintivo da punibilidade (STF, HC 81.929-0-RJ, rel. Min. Cezar Peluso). Mesmo após condenação com trânsito em julgado. De acordo com nossa opinião, esse entendimento continua válido (mesmo depois do advento da Lei 12.382/11).
Por certo, a regra do § 2º, do art. 9º, da Lei n.º 10.684/2003 por ser mais benéfica, no que tange ao pagamento como causa de extinção da punibilidade, que as anteriores, previstas na lei nº 9249/95 e no artigo 168-A § 2º, passou a regulamentar integralmente a matéria com a persistência apenas da hipótese prevista no § 1º, do art. 337-A, que por não se vincular ao pagamento, com suficiência da confissão do débito e fornecimento de informações antes do início da ação fiscal não sofreu revogação.
A tranquilidade da matéria começou a ser alterada com a edição da lei n.º 11.941/2009, que no artigo 69 tratou da questão com a seguinte redação: “Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no art. 68 quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento”.
O artigo 68 da Lei nº 11.941/2009 trata da mesma matéria regrada pelo caput do artigo 9.º, da Lei nº 10.684/2003, o que fez o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, julgar prejudicada a ação direta de inconstitucionalidade 3002 intentada pelo Procurador Geral da República ao fundamento de que o artigo 68 da nova legislação tacitamente revogou o 9.º da anterior.
A indagação que se manteve foi se, para fins penais, a regra do § 2º, do artigo 9º, da lei nº 10.684/2003 também foi revogada pela entrada em vigor da lei nº 11.941/2009, alterando-se, assim o quadro das causas extintivas da punibilidade pelo pagamento que sofreriam uma retração, pois o artigo 69 deferiu a possibilidade extintiva da punibilidade pelo pagamento apenas às hipóteses submetidas à anterior parcelamento, já tendo sido revogadas as disposições da lei nº 9249/95 e do artigo 168-A § 2.º, conforme acima analisado.
Persistiriam, nessa ótica, apenas a extinção da punibilidade pelo pagamento ao débito anteriormente parcelado e mesmo sem pagamento na regulamentação do § 1º, do artigo 337-A, do Código Penal.
Ocorre que melhor interpretação passou a ser construída no sentido de que o artigo 69, da lei n.º 11.941/2009, não revogou o § 2º, do artigo 9º, da lei nº 10.684/2003, porque tratou de situação diversa, o que não implica, portanto, em revogação da lei mais antiga pela mais recente, dependendo de revogação expressa, o que não correu.
O diferencial está justamente no fato de que aquela lei vincula-se aos débitos que tenha sido objeto de anterior parcelamento, enquanto esta se aplica a todos, mesmo que não submetidos ao regime de parcelamento, sendo, portanto, hipótese mais ampla. Como se vê, é fundamental distinguir o pagamento direto (sem parcelamento) do pagamento antecedido de parcelamento.
A recente edição da lei nº 12.382, de 25 de fevereiro de 2011, reacende a polêmica em torno da matéria, ao disciplinar a temática da extinção da punibilidade pelo pagamento (antecedido de parcelamento), da seguinte forma, em seu artigo 6º:
“Art. 6 º O art. 83 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 1º a 5º, renumerando-se o atual parágrafo único para § 6º:
“Art. 83. …………………………………………………..
§ 1 º Na hipótese de concessão de parcelamento do crédito tributário, a representação fiscal para fins penais somente será encaminhada ao Ministério Público após a exclusão da pessoa física ou jurídica do parcelamento.
§ 2 º É suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes previstos no caput, durante o período em que a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal.
§ 3 º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.
§ 4 º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no caput quando a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento.
§ 5 º O disposto nos §§ 1º a 4º não se aplica nas hipóteses de vedação legal de parcelamento.
§ 6 º As disposições contidas no caput do art. 34 da Lei no 9.249, de 26 de dezembro de 1995, aplicam-se aos processos administrativos e aos inquéritos e processos em curso, desde que não recebida a denúncia pelo juiz.”
Claramente o legislador tentou estabelecer nova regulamentação à matéria da extinção da punibilidade pelo pagamento, vinculando a ocorrência deste até antes do recebimento da denúncia, conforme resta evidenciada na redação do § 6º acima transcrito.
Ocorre que a falta de tecnicismo é manifesta. O artigo 34, da lei nº 9.249/1995, já havia sido revogado pelo § 2º, do art. 9º, da lei nº 10.684/2003, que não foi revogado pela lei nº 12.382/2011. Por quê? Porque uma coisa é o pagamento direto (disciplinado na lei 10.684/2003), outra distinta é o pagamento resultante de parcelamento (que agora acaba de ser regrado pela lei 12.382/11).
A nova lei não tem a força de repristinar o antigo art. 34.
Dessa forma, o sistema segue sendo regulamentado, como regra geral, quanto à extinção da punibilidade pelo pagamento, pelo artigo art. 9º, § 2º, da lei n.º 10.684/2003, ou seja, o pagamento pode-se dar a qualquer tempo.
Persiste a regra especial do artigo 337-A, em que não se exige pagamento para extinguir a punibilidade, desde que haja espontânea confissão e prestação de todas as informações pelo contribuinte antes do início da ação fiscal.
Da lei nº 12.382/2011 o efeito realmente importante que se pode extrair é o que determina estar suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes tributários, durante o período em que a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal.
Em outras palavras, desde que antes do recebimento da denúncia, a pessoa requeira o parcelamento de seu débito, mesmo que superior aos limites em que se impõe o reconhecimento da insignificância (R$ 10.000, 00), mesmo que já não mais passível de qualquer discussão no âmbito administrativo, operacionaliza-se suspensão da pretensão punitiva que ocorre enquanto o agente estiver efetuando o pagamento do valor devido que uma vez, deixando de ocorrer, dá margem a que deixe de haver o obstáculo a operacionalização do processo criminal.
A propósito a regra também introduzida pela lei nº 12.382/2011, no sentido de que a prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva é importante, pois, estando regular o parcelamento não flui o prazo prescricional penal. Havendo, no entanto, sua quebra pelo contribuinte, ao mesmo tempo que pode o Estado buscar a persecução penal passa a novamente ter seguimento o prazo prescricional, de sorte que havendo a quebra do regime de parcelamento e não movendo-se a ação penal dentro do prazo fixado em lei, pode dar-se a prescrição, não cabendo argumentar que a adesão ao parcelamento gerou bloqueio na fluência do prazo, pois este bloqueio somente ocorre enquanto o parcelamento encontrar-se regular.
Por Adel El Tasse e Luiz Flávio Gomes
Fonte: Conjur