Sílvia Pimentel
Um pacote tributário composto por quatro projetos de lei enviados pelo governo para mudar a Lei de Execução Fiscal e agilizar a cobrança de dívidas tributárias que nem começou a ser discutido no Congresso, e muito provavelmente não será aprovado em ano eleitoral, está sendo duramente criticado por entidades empresariais e advogados tributaristas.
Na última quarta-feira, a seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) entregou ao presidente da Câmara, deputado Michel Temer (PMDB), um contundente parecer, assinado por várias entidades e juristas, pontuando os principais artigos considerados abusivos e inconstitucionais.
“Com esses projetos, nega-se a participação do Judiciário e a garantia do devido processo legal em conflitos que envolvem cobrança de tributos pelo Poder Público. Se aprovados, irão tornar o desequilíbrio entre o Estado e o cidadão ainda maior, o que é inadmissível em um regime democrático”, alertou o presidente da Ordem, Luiz Flávio Borges D’Urso.
O estopim para o envio do documento foi o início dos trabalhos da comissão especial da dívida ativa, criada para analisar as propostas que estavam paradas há quase um ano e agora ganharam relator: o deputado João Paulo Cunha (PT-SP).
Polêmicas, as investidas do fisco foram debatidas ontem durante reunião do Conselho de Altos Estudos de Finanças e Tributação (Caeft), da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), da qual participou o presidente da entidade, Alencar Burti. Na sua opinião, os projetos são mais uma tentativa do governo contra a livre iniciativa. “É preciso elaborar um plano de ação para evitar que tais projetos sejam aprovados da forma como foram redigidos”, defendeu.
O presidente do Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis no Estado de São Paulo (Sescon-SP), José Maria Chapina Alcazar, também criticou os projetos do governo. “Toda legislação elaborada pelo Executivo é baseada na premissa de que todos são sonegadores e isso é um equívoco”, disse.
Distorções – Segundo a OAB-SP, as medidas têm por objetivo transferir para a Fazenda Pública, sem passar pelo Judiciário, o patrimônio dos contribuintes, que também terão dados financeiros e patrimoniais à disposição do fisco. Além disso, a entidade entende que as propostas conferem super poderes aos fiscais responsáveis pela cobrança de dívidas tributárias. Pelo texto, eles poderão quebrar o sigilo bancário de sócios de empresas e penhorar bens, sem precisarem do aval de juízes.
Um dos projetos de lei apresentados (nº 5082/09) cria a Lei Geral de Transação Tributária. É o menos controverso dos quatro, mas também enfrenta resistências. A ideia central é permitir a negociação de débitos das empresas em dificuldades. Em poucas palavras, a transação tributária consiste em uma negociação com regras definidas em lei, o que inclui a possibilidade de o contribuinte recolher o débito tributário, inscrito ou não na dívida ativa, com redução de multa e juros.
Os devedores poderão apresentar ao fisco um plano de recuperação tributária. Pela proposta, dependendo do valor, as transações serão decididas em câmaras de conciliação da Fazenda Nacional. Nos casos de fiscalização em que se constate a falta de cumprimento de alguma obrigação, o contribuinte, em vez de ser multado, poderá assinar um termo de ajustamento de conduta.
O mentor das propostas, incluindo a que cria a transação fiscal, é o atual Advogado Geral da União (AGU), o ministro Luis Ínácio Adams, que comandou a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), responsável pela gestão da dívida ativa. O mecanismo da transação tributária é adotado em países como Estados Unidos, Itália e Portugal. Com a novidade, o governo quer reduzir o o monstruoso passivo tributário da União, de cerca de R$ 1 trilhão. É quase o valor total arrecadado em impostos em um ano.
O governo também alega que as medidas vão desafogar o Judiciário, pondo fim às longas disputas tributárias. Dados da AGU apontam a existência de quase 7,5 milhões de processos em andamento envolvendo tributos federais, incluindo as contribuições previdenciárias, que somam perto de 5 milhões.
“É um contencioso invencível para os oito mil advogados e procuradores da União,” afirmou o diretor da Escola da Advocacia Geral da União (AGU), Jefferson Carús Guedes, recentemente em evento promovido pela Brazilian-American Chamber of Commerce of Florida e o escritório Mattos Filho Veiga Filho Marrey Jr. e Quiroga Advogados.
O advogado Marcos Joaquim Gonçalves Alves, sócio do escritório, vê com bons olhos a possibilidade de os contribuintes negociarem com o fisco. Segundo ele, nos Estados Unidos, os conflitos são solucionados num prazo de 14 meses por meio de mecanismo semelhante ao da transação tributária. “A relação entre o fisco e os contribuintes é tão conflituosa no Brasil que o ministro Adams costuma classificá-la de surda. É necessário mudar esse relacionamento”, concluiu o advogado.
Fonte: Diário do Comércio