Nos termos da Lei nº 9.427, de 1996, que disciplinou o regime econômico e financeiro das concessões de serviço público de energia elétrica, a tarifa de energia compreende o serviço pelo preço. Isto é, o valor da tarifa corresponde ao preço estabelecido na licitação, composto por todos os incrementos autorizados em lei e pelo poder concedente. Já a Lei nº 8.987, de 1995, que consagrou o marco regulatório das concessões de serviço público e dispôs sobre a respectiva política tarifária, impõe a revisão tarifária sempre quando houver a criação, alteração ou extinção de quaisquer tributos, ressalvados os impostos sobre a renda.
De 2004 para cá, entretanto, com a mudança legislativa em torno do regramento do PIS/Pasep e da Cofins, tem-se visto um movimento contra a repercussão econômica desses tributos nas tarifas de energia elétrica. Além de ações individuais propostas judicialmente, o Ministério Público Federal, em um primeiro momento, iniciou procedimentos administrativos e judiciais para impedir que as concessionárias repassassem para os usuários de energia elétrica o custo daqueles tributos. Todavia, verificado o melhor interesse social, embora haja pronunciamentos em sentido contrário, a 3ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal já endossou entendimento de que não há qualquer ilegalidade no procedimento adotado pelas concessionárias de distribuição de energia elétrica.
O PIS/Pasep e a Cofins são tributos incidentes sobre a receita e o faturamento da empresa. Como todo e qualquer custo, seja fiscal ou não, eles são considerados no momento de formação do preço. Tanto no serviço privado, como no serviço público, a repercussão econômica do tributo é natural, como forma de manter a receita maior do que os custos e despesas da empresa, preservando a margem de lucro do negócio. No caso específico do serviço de energia elétrica, cuja tarifa é fixada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o percentual da alíquota do PIS/Pasep e Cofins era repassado dentro do valor da tarifa, majorando-se o preço do serviço pelo correspondente percentual do tributo.
A modificação da legislação em 2004 transformou o PIS/Pasep e Cofins, incidentes sobre a receita e o faturamento da distribuidora de energia elétrica, em tributos não cumulativos. Por exemplo, a geradora de energia recolhe o valor de PIS/Pasep e Cofins incidente sobre sua receita e faturamento; a transmissora, por sua vez, recolhe o valor de PIS/Pasep e Cofins incidente sobre sua receita e faturamento, deduzindo o valor pago ao fisco pela geradora, sem permitir a acumulação do tributo; e a distribuidora, finalmente, recolhe o PIS/Pasep e Cofins deduzindo o montante pago pela transmissora e pelas empresas que a antecederam na aquisição de bens para o ativo permanente e nas despesas operacionais necessárias ao desenvolvimento da atividade de distribuição.
Como o cálculo do PIS/Pasep e Cofins, não cumulativos, varia de mês a mês, dependendo do valor recolhido pelas empresas anteriores da cadeia, a Aneel foi obrigada a modificar a forma de repasse dos custos tributários aos usuários de energia elétrica. A agência não poderia permitir que a concessionária considerasse um percentual de tributo em sua tarifa, que, na verdade, não é recolhido integralmente, já que se deduzem os créditos anteriores. A Aneel decidiu que a concessionária deve destacar em cada conta de consumo o valor do tributo efetivamente recolhido pela distribuidora, e que deve ser repercutido economicamente na tarifa.
Outra alternativa da agência seria permitir que a distribuidora repassasse, embutido na tarifa, o percentual fixo do tributo, como era feito antes da mudança legislativa. Posteriormente, através de revisão tarifária extraordinária, deduziria do valor da tarifa a ser fixada os créditos auferidos pela distribuidora em razão da não cumulatividade do tributo. Veja-se, entretanto, que essa hipótese apenas beneficiaria a empresa, em prejuízo do usuário de energia, que adiantaria um valor, para depois ser compensado na tarifa.
Dessa forma, com o destaque na conta de consumo dos valores de PIS/Pasep e Cofins efetivamente recolhidos, (a) limitou-se o repasse ao consumidor apenas do real custo do serviço, evitando-se que fossem acrescentados na tarifa de energia elétrica custos inexistentes; (b) deu-se maior transparência à conta de consumo, já que o usuário passou a ter destacada parte da composição da tarifa; e (c) preservou-se a equação econômico-financeira da concessão, pois, conforme previsão legal, a distribuidora tem o direito de repassar na tarifa as suas despesas operacionais e tributárias.
Note-se que não se trata de repercussão jurídica do tributo, onde ocorreria uma substituição tributária, modificando-se o sujeito passivo da obrigação, o que somente pode ser estabelecido em lei. A hipótese é de repercussão econômica da despesa com o tributo, assim como ocorre com os demais custos do serviço, repassado para o preço, tornando-se a atividade lucrativa. A distribuidora de energia elétrica continua obrigada pelo recolhimento do tributo e por todas as suas obrigações acessórias, apenas repassando economicamente a despesa do serviço para a tarifa, conforme admite a lei de concessões, e nos limites estabelecidos pela Aneel, a quem incumbe estabelecer a tarifa de energia elétrica.
Como o destaque do tributo na fatura só veio beneficiar o usuário de energia elétrica, a concessão de serviço público e a forma de regulação do setor, a expectativa é que o Poder Judiciário adote o mesmo entendimento já esposado pela Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, reconhecendo-se a legalidade da repercussão econômica do PIS/Pasep e da Cofins na tarifa de energia elétrica.
Vítor Ferreira Alves de Brito
Fonte: Valor Econômico