Prescrição de ação não se altera pela falência ou liquidação da empresa

O decreto de liquidação extrajudicial ou falência não é o que faz nascer a pretensão de ação em benefício da massa liquidanda ou da massa falida. A prescrição tem como termo inicial o dia em que o processo poderia ser ajuizado, mesmo que antes da quebra da empresa.

Essa conclusão é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que afastou a prescrição da ação de pagamento de indenização pelos prejuízos resultantes da venda de uma fazenda a um fundo de investimentos.

O caso é o de uma ação ajuizada pela massa liquidanda do Banco Rural, com pedido de indenização pelos prejuízos causados aos seus credores em decorrência da venda de uma fazenda abaixo do valor de mercado.

Essa pretensão de reparação civil prescreve em três anos, conforme diz o artigo 206, parágrafo 3º, inciso V, do Código Civil. A 3ª Turma mudou sua posição sobre o momento em que se inicia a contagem do prazo prescricional.

Até então, o colegiado vinha entendendo que, no caso de falência ou liquidação extrajudicial, a prescrição não poderia ser contada antes de sua ocorrência, pois a pretensão só nasceria com a formação da massa falida ou da massa liquidante.

Esse precedente foi formado em 2022, por 3 votos a 2, em julgamento com outra composição da 3ª Turma, e com voto de desempate do ministro Marco Buzzi, convocado da 4ª Turma porque o ministro Moura Ribeiro se declarou impedido naquele caso.

Desta vez, o colegiado pôde reapreciar o tema e, com isso, mudar seu entendimento. Ficou decidido que o marco inicial da prescrição é o dia em que a ação poderia ser ajuizada, ainda que isso ocorra antes da decretação da falência ou da liquidação extrajudicial.

Marco da prescrição

No caso concreto, o imóvel vendido por valor supostamente abaixo do preço de mercado é uma fazenda pertencente à Rural Agroinvest, empresa que é parte do Banco Rural.

Quando o Banco Rural entrou em liquidação extrajudicial — o regime que se destina a interromper o funcionamento de uma instituição financeira e promover sua retirada, de forma organizada, do Sistema Financeiro Nacional —, percebeu-se que a situação havia causado prejuízo aos credores.

Assim, a massa liquidanda do banco ajuizou uma ação com dois pedidos: a declaração de nulidade do contrato ou, não sendo possível, o pagamento, como indenização, da diferença entre o valor de mercado do bem e o preço pelo qual ele foi pretensamente vendido.

A pretensão de anular a venda não prescreve, mas a indenização pelos prejuízos causados, sim. Ao analisar o caso, o Tribunal de Justiça do Mato Grosso entendeu que a massa liquidanda havia perdido esse prazo.

Para a corte estadual, a prescrição trienal começa no momento em que o demandante tem ciência do negócio jurídico que pretende anular. Esse foi o tema devolvido para julgamento no STJ. Ambos os votos afastaram a prescrição, mas com marcos iniciais distintos.

A partir da quebra

Relator da matéria, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva ficou vencido ao entender que o prazo inicial era a data da decretação da liquidação extrajudicial do Banco Rural. Votou com ele a ministra Nancy Andrighi.

Isso porque, segundo o magistrado, a demanda foi ajuizada em defesa dos interesses gerais dos credores, o que só era possível a partir do momento em que foi formada a massa liquidanda.

“A massa liquidanda, em seu viés subjetivo, somente se torna apta a exercer pretensões em defesa dos interesses gerais dos credores após a decretação da liquidação extrajudicial, mesmo porque a massa liquidanda nem sequer existe, em seu viés subjetivo, antes de ser decretada a liquidação extrajudicial.”

Reforça esse argumento a ideia de que a massa liquidanda age com o objetivo de salvaguardar os interesses dos credores, e não como mera sucessora da instituição em liquidação.

“Assim, nas hipóteses em que a pretensão de natureza condenatória derivar da prática de atos fraudulentos, tornando os interesses da massa, no mais das vezes, conflitantes com os da instituição liquidanda, impõe-se computar o prazo prescricional a partir da decretação da liquidação”, destacou o ministro.

O voto do relator foi por afastar a prescrição porque a ação foi ajuizada em 11 de fevereiro de 2016 e a liquidação extrajudicial, decretada em 2 de agosto de 2013 — logo, não foi ultrapassado o prazo de três anos.

Liquidação nada muda

Abriu a divergência vencedora o ministro Moura Ribeiro, que formou a maioria com os ministros Marco Aurélio Bellizze e Humberto Martins.

Para ele, o marco inicial da prescrição é o momento em que a ação se torna possível. No caso concreto, segundo o magistrado, a prescrição sequer se iniciou, pois o processo que busca anular o negócio jurídico de venda da fazenda ainda está em andamento.

Ou seja, no momento em que houver uma sentença favorável à pretensão da massa liquidanda — se isso ocorrer —, terá início o prazo de três anos para ajuizar a ação indenizatória.

Na interpretação do ministro Moura Ribeiro, a massa liquidanda formada no momento da decretação da liquidação extrajudicial apenas sucede a instituição financeira nas relações jurídicas por ela mantidas. Portanto, ela não é terceira em relação aos negócios celebrados anteriormente.

“Por qualquer perspectiva, parece que não se inaugura em favor da massa um novo prazo de prescrição, como de interrupção se pudesse dizer, porque a liquidação extrajudicial, a falência ou o deferimento da recuperação judicial não se inserem entre as causas que interrompem a prescrição (art. 202, Código Civil).”

Além disso, a liquidação extrajudicial, o decreto de falência ou o deferimento da recuperação judicial suspendem apenas o curso da prescrição de todas as ações e execuções em face do devedor — e não daquelas em que ele é ou poderia ser autor.

No caso concreto, a prescrição não começou ainda porque efeitos patrimoniais dependem da declaração da nulidade do negócio jurídico.

“O direito indenizatório tornar-se-á exigível apenas com a declaração de nulidade, pois até então o negócio jurídico subsiste. Com o decreto de nulidade, surgirá a pretensão condenatória e, com ela, o início da prescrição”, concordou o ministro Humberto Martins em seu voto.

Fonte: Consultor Jurídico.

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