O mais benéfico parcelamento fiscal concedido pelo governo federal, o “Refis da Crise”, pode ser levado à Justiça por meio de um pedido apresentado pelos procuradores da Fazenda Nacional, justamente os responsáveis pela cobrança de débitos tributários federais. O Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz) entrou ontem com uma representação no Ministério Público Federal contra a Receita Federal, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) – a qual estão subordinados – e o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro). Os procuradores, por meio da medida – que pode virar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou mesmo uma ação uma civil pública – , querem que sejam entregues rapidamente os sistemas de informática que farão a consolidação de todas as modalidades de parcelamento previstas na Lei nº 11.941, de 2009.
O Sinprofaz alega que o Serpro vem adiando sucessivamente a entrega dos programas e, com isso, sem poder fazer a consolidação dos débitos, contribuintes com dívidas bilionárias continuam recolhendo apenas R$ 100 por mês aos cofres da União. “A consolidação estava prometida para maio de 2010. Não aconteceu. Vencido esse período, as expectativas se voltaram para novembro de 2010. Agora, já se fala em algum período incerto em 2011”, dizem os procuradores na representação, acrescentando que o problema é recorrente. “O Paes de 2003 (Lei nº 10.684), por exemplo, demorou aproximadamente três anos para contar com sistemas de gestão do parcelamento. O PAEX de 2006 (MP nº 303) seguiu os mesmos três anos sabáticos entre a edição da norma que o instituiu e o manejo das tecnologias necessárias à sua administração. O Simples Nacional de 2007 (Lei Complementar nº 123), chega ao seu terceiro ano sem a integração dos sistemas para a exclusão dos inadimplentes. Deve-se lembrar, outrossim, que a Lei que criou a Super-Receita, nº 11.457, foi instituída em 2007 e, até o momento, as plataformas de informações dos créditos previdenciários não estão unificadas com as dos créditos não previdenciários.”
No caso do Refis da Crise, com inúmeras modalidades de parcelamento que atraíram 561,9 mil contribuintes, a situação é mais complicada. Para um procurador que prefere não se identificar, “o Congresso aprovou um monstro inexequível sob o ponto de vista tecnológico.” Segundo ele, neste aspecto, o programa atual é muito mais complexo que os anteriores, pois envolve o recálculo dos parcelamentos anteriores, abatimentos e descontos que antes não existiam.
O presidente do Sinprofaz, Anderson Bitencourt, afirma que a União está deixando de receber e que o trabalho de anos dos procuradores está sendo jogado fora. Segundo ele, simplesmente com a adesão e o pagamento de uma parcela mínima de R$ 100, as empresas estão conseguindo obter certidões fiscais. “Empresas com passivos imensos estão participando de licitações e praticando concorrência desleal com aquelas que não aderiram ao parcelamento”, diz Bitencourt.
Na representação, os procuradores reclamam que a Fazenda Nacional poderia estar arrecadando quantias mensais muitos maiores aos cofres públicos. “Se o Estado Brasileiro poderia recolher R$ 1 milhão por mês de um grande devedor que houvesse aderido ao programa, segue hoje apurando a incomensurável quantia de R$ 100 exatamente porque a fase de consolidação não foi concluída. O desvio em tudo se relaciona ao achincalhe da Justiça fiscal de um país cuja própria administração tributária põe em prática medidas que nivelam adimplentes e inadimplentes.”
Na capital São Paulo, por exemplo, segundo outro procurador que prefere não se identificar, o pagamento normal dos parcelamentos renderiam aos cofres públicos R$ 300 milhões por mês. Outro aspecto lembrado pelo procurador é que com esse pagamento mínimo, as empresas, além de conseguirem certidões fiscais, ficam livres de processos penais. “Decidimos entrar com a representação porque se chegou a uma situação absurda”, afirma. Procurados pelo Valor, a PGFN, a Receita Federal e Serpro preferiram não se pronunciar sobre o assunto.
O ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, entende que a demora na entrega dos sistemas de informática é reflexo da complexidade do parcelamento instituído pelo governo. “Os outros programas eram mais simples. Não existia anistia”, diz ele que é contra as benesses oferecidas pelo Refis da Crise. “Só deve haver anistia em situações muitos especiais.”
Fonte: Valor Econômico