A presidência do 12º Congresso da ONU sobre Prevenção ao Crime e Justiça Criminal receberá uma proposta de incluir, no relatório final do evento, uma recomendação para o Brasil dar fim ao mecanismo que permite que a sonegação fiscal não tenha punição quando o autor do crime pague o tributo devido. A ideia partiu do grupo de trabalho que discutiu Justiça fiscal durante a tarde de ontem, primeiro dia do congresso das Nações Unidas, que acontece em Salvador. “Vamos encaminhar a sugestão de que, no documento final do evento, a ONU recomende que o país dê fim à extinção de punibilidade mediante o pagamento do tributo”, diz o procurador da Fazenda do Estado da Bahia, Raimundo Luiz de Andrade.
Hoje, a legislação brasileira prevê que a punição por crime de sonegação seja extinta se o sonegador pagar o que deve ao Fisco qualquer que seja a fase do processo criminal – se ainda não foi iniciado, se já houve denúncia do Ministério Público ou se já há condenação em alguma instância. A chamada extinção de punibilidade nos crimes de sonegação fiscal foi avançando ao longo dos anos tanto na legislação quanto na jurisprudência dos tribunais brasileiros. O primeiro abrandamento da punição à sonegação veio com a Lei nº 8.137. Em 1990, a norma previu que o pagamento do débito antes do recebimento da denúncia extinguia a possibilidade de punição por crime de sonegação.
Mais tarde, a Lei nº 9.964, de 2000, que criou o programa de parcelamento fiscal Refis, estabeleceu que a adesão ao parcelamento suspendia os processos por crime de sonegação. Em 2003, uma nova mudança previu que a punibilidade fiscal é extinta quando o tributo é pago, sem fazer qualquer menção ao momento em que isso deveria ocorrer. No ano passado, o Refis da crise foi mais além e estabeleceu a suspensão dos processos mediante a adesão ao parcelamento dos débitos – na prática, a extinção da punibilidade a qualquer tempo. “Foi o tiro de misericórdia”, diz o juiz Durval Carneiro Neto, titular da 2ª Vara Criminal da Justiça Federal de Salvador, especializada em crimes financeiros e lavagem de dinheiro.
De acordo com o juiz, que participou do debate sobre Justiça fiscal, a política criminal brasileira entende que o crime tributário é apenas um crime contra a arrecadação. “Mas quando entendemos que o pagamento resolve o problema, estamos ignorando a fraude”, afirma. “O direito penal não pode servir de reforço ao direito tributário para fins de arrecadação”. Para o procurador Raimundo Luiz de Andrade, o direito penal tributário brasileiro é único no mundo e incoerente com a busca de um modelo de sistema criminal que combata as desigualdades, que, segundo ele, é o foco das discussões da ONU.
Cristine Prestes
Fonte: Valor Econômico