Quatro em cada dez empresas vão à falência após recuperação judicial

Quatro em cada dez empresas não voltaram a operar no terceiro trimestre após finalizarem o processo de recuperação judicial. Foram à falência. A taxa de sucesso caiu consideravelmente em relação a igual período de 2024, em meio a um novo recorde no volume de reestruturações. É o que mostra o Monitor RGF, da consultoria RGF, obtido com exclusividade pelo Valor.

No terceiro trimestre de 2024, 11% das empresas que saíram da recuperação judicial faliram. Neste ano, a taxa ficou bem maior: em 37% no terceiro trimestre, um novo recorde. Os outros 63% voltaram a operar normalmente no mercado.

Também é recorde o volume de recuperações judiciais. Ao todo, 5,2 mil empresas estavam em processo de reestruturação no final do terceiro trimestre – 20% a mais que no mesmo período do ano passado. Um total de 435 empresas começaram, no período, a negociar suas dívidas sob supervisão do Judiciário, que somam R$ 16,8 bilhões, e 120 deixaram o instituto.

Das que saíram da recuperação judicial, 76 conseguiram se soerguer, mas 44 quebraram. Do total de falências, 19 foram na região Sul. No geral, são empresas do setor de comércio (15) e serviços (14).

A agropecuária continua como o setor com mais empresas em recuperação, ante o total em atividade. O Índice RGF de Recuperação Judicial (IRJ-RGF) é o mais alto, de 12,63 – são mais de 12 empresas em crise a cada mil. Já o setor de serviços é o que mais tem companhias negociando as dívidas em números absolutos. São 1,2 mil nesta situação, mas o IRJ-RGF é de 0,97, pois existem muitas do segmento.

Segundo a consultora Roberta Gonzaga, da consultoria RGF & Associados, não houve alta isolada em setor específico do segundo para o terceiro trimestre de 2025. “Antes, já vimos grandes saltos no agro, mas, nesse trimestre, todos cresceram. Em números absolutos, comércio e serviços cresceram um pouco mais, mas eles têm bastante empresas. Então foi um crescimento mais homogêneo, não teve um setor que destoou”, diz.

Na visão de especialistas, são vários os motivos para o aumento da insolvência. A razão principal que as empresas alegam nos pedidos de recuperação ainda é a alta taxa de juros, hoje em 15%, que encarece o custo da dívida. Mas advogados também indicam que decorre da restrição de crédito, principalmente acesso a dinheiro novo durante a reestruturação e financiamentos – como o DIP, aprimorado com a reforma da lei em 2020.

Há também quem diga que já não é mais possível culpar a Selic ou a pandemia da covid-19. Os recordes de insolvência decorrem de má gestão, falta de aporte de capital dos sócios e de preparação dos executivos à frente do negócio de lidarem com as reestruturações. É o que pensa o professor de reestruturações corporativas Paulo Henrique Carnaúba, do Programa Avançado de Finanças do Insper.

“A Selic só se torna um grave problema para a empresa estável quando os sócios se recusam a aportar recursos. Eles se fiam, em todo projeto de reestruturação, somente no dinheiro de credores antigos, que estão desgastados, e de eventuais novos financiadores, que estão relutantes”, afirma Carnaúba.

Para ele, as recuperações judiciais que não dão certo e resultam na falência são aquelas que não trabalham os principais problemas da empresa. “Nas reestruturações, não são atacados os reais problemas da empresa, que buscam só um deságio agressivo, como se isso resolvesse alguma coisa. Superendividamento não é causa, é consequência de falta de fundamento da empresa e de deficiência na gestão”, completa.

O caso da Oi é o exemplo mais recente e emblemático. Mesmo após ter recebido um empréstimo de US$ 400 milhões, em 2023, o montante não foi suficiente para evitar a sentença de quebra, da qual grandes bancos como Itaú e Bradesco recorreram para tentar receber o crédito em melhores condições. Após o recurso, a falência foi revertida. É a segunda reestruturação da companhia, que já dura mais de dois anos (processo nº 0809863-36.2023.8.19.0001).

Segundo o especialista em reestruturação de empresas Rodrigo Gallegos, sócio da RGF, casos “inevitáveis” como esse ocorrem quando o modelo de negócio já não é viável. “O DIP não consegue salvar a empresa quando ela não tem uma capacidade de geração de caixa”, afirma. “Dado que a operação normal da empresa não gera dinheiro, não consegue nem pagar a própria operação, muito menos pagar o plano e os credores”, completa.

Gallegos também diz que os bancos têm estado mais seletivos na concessão de crédito, principalmente na reestruturação, exigindo garantias mais robustas. Mas, muitas vezes, a devedora já não tem mais o que oferecer. “Eles começam a fazer um monte de exigências para uma empresa que já fez de tudo e que não vai ter mais as garantias disponíveis.”

Ele cita ainda a falta de preparação das companhias, que precisam entrar no processo de recuperação ainda gerando caixa. Isso porque os fornecedores passam a exigir pagamento à vista, ao invés de em 30 a 40 dias. “Para reestruturar, a empresa gasta dinheiro. Seja para mandar pessoas embora, para contratar uma assessoria e reestruturar o negócio. Precisa reduzir para crescer.”

Para o economista Pedro Villas Boas, da Stonex, a escalada dos juros e menor oferta de crédito têm impactado as empresas, mas muitas delas, sobretudo do agronegócio, talvez não precisassem recorrer ao instituto. “Nos últimos dois anos, temos visto muita gente usar o instrumento da recuperação judicial como solução, mas não necessariamente da forma adequada” diz.

Segundo ele, é preciso primeiro se ajustar ao cenário desafiador, reduzir de tamanho e vender ativos específicos. “Uma empresa não chega em um estágio de recuperação judicial do dia para a noite. Se ela começa a ver seus números deteriorando nesse cenário de desafio de crédito e não se ajusta, a recuperação judicial acaba sendo uma solução precipitada.”

Por isso, acrescenta, algumas companhias não conseguem sair do processo, o que pode ter contribuído para o aumento das falências. “Para uma recuperação dar certo, [a empresa] tem que estar disposta a ceder, ser transparente, construir credibilidade, ter um time de assessoria bom, que passa por bons advogados. Mas não passa só por isso. É preciso entender quais são os problemas de gestão”, afirma.

A advogada Adriana Dias, sócia do TWK Advogados e conselheira do Turnaround Management Association (TMA), diz que, muitas vezes, as reestruturações terminam não dando certo por fatores externos imprevisíveis ou mudanças setoriais específicas. Um exemplo é o caso da recuperação da Livraria Saraiva, iniciada em 2018, que resultou no pedido de autofalência em 2023 (processo nº 1119642-14.2018.8.26.0100).

“Livrarias que atuavam no modelo de megastore tiveram que reestruturar o negócio e, inicialmente, tinham planos de continuar a atuar em lojas, mas veio a pandemia em seguida. Então tiveram que reformular os planos e fazer uma remodelagem buscando outras formas de atuação”, afirma. “Existem casos de que os planos não se tornam mais factíveis ou a falência está relacionada à própria atividade-fim, de coisas e modelos de negócios que ficaram obsoletos”, completa.

Procuradas pelo Valor, a Oi e a Saraiva não deram retorno até o fechamento da edição.

Fonte: Valor Econômico.

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