Dos seis Estados que tiveram incentivos fiscais do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) julgados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em junho, dois – Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul – já restabeleceram ao menos parte dos benefícios derrubados. Outros dois – Espírito Santo e Pará – voltaram a editar novos benefícios sem aprovação do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).
Levantamento do escritório Machado Associados mostra que o Mato Grosso do Sul foi rápido no restabelecimento do benefício derrubado pelo Supremo. O julgamento do STF foi em 1 de junho. Menos de um mês depois, em 30 de junho, o governo sul-mato-grossense publicou lei instituindo o programa MS Forte-Indústria. Dentre diversos benefícios, a nova lei estabeleceu redução de até 67% do ICMS devido. O incentivo é dirigido especialmente aos empreendimentos industriais, pelo prazo de 15 anos.
O MS Forte-Indústria é muito parecido com o programa MS-Empreendedor, julgado inconstitucional pelo STF em Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo governador do Paraná. O antigo programa permitia a redução do imposto devido no mesmo percentual de até 67% também aplicáveis prioritariamente a investimentos industriais. Só o prazo era menor, de cinco anos.
O Rio de Janeiro também foi rápido nas medidas para restabelecer a redução de ICMS para a querosene de aviação. No mesmo julgamento de 1º de junho o Supremo havia derrubado o dispositivo de uma lei que, na prática, reduzia para 4% o imposto devido sobre a querosene. Com o benefício derrubado, a alíquota sobre o combustível deveria retornar para 16%. No dia 8 do mês seguinte, porém, o governo fluminense publicou decreto que fixou em 12% o ICMS nas operações internas.
A alíquota de 12%, porém, aumentou o custo para as distribuidoras que passaram a pagar 12% de imposto na compra do querosene de aviação vendido pela Petrobras. O problema maior, explica a advogada Alessandra Krawczuk Craveiro, do escritório Guerra, Doin & Craveiro, é que o querosene vendido para outros Estados tem imunidade de ICMS e a distribuidora não pode se beneficiar do crédito do imposto pago na aquisição do combustível. “A absorção do imposto passou de 4% para 12%, o que se tornou impraticável para a margem das distribuidoras”, diz.
Frente a isso, a Fazenda fluminense editou novo decreto em 10 de agosto concedendo um benefício de diferimento nas vendas de querosene da Petrobras para as distribuidoras. O diferimento transfere o pagamento do imposto para a etapa seguinte. Como não há cobrança do ICMS na venda de querosene para outros Estados, na prática essas operações não recolhem o imposto.
Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro conseguiram, assim, tomar medidas para reduzir os impactos práticos da decisão do STF. Pelo menos, os impactos do ICMS devido a partir da decisão do Supremo.
O passado, porém, ainda continua sendo um problema. Ainda não se sabe se os Estados vão cobrar das empresas o ICMS que deixou de ser pago devido aos incentivos fiscais considerados inconstitucionais pelo Supremo. De acordo com as normas tributárias, as empresas ficariam sujeitas à cobrança do imposto devido nos últimos cinco anos. E segundo a legislação fiscal, os Estados têm o dever de cobrar o ICMS.
Segundo Dietmar Schupp, diretor de tributação do Sindicom, sindicato que reúne as distribuidoras de combustíveis, o segmento calcula em R$ 300 milhões o imposto caso o governo do Rio cobre o ICMS devido com o fim do benefício para o querosene de aviação. “Isso se refere somente ao imposto devido, sem correção ou multas. É uma dívida impagável.” Representantes de distribuidoras que acompanham a discussão dizem que o valor pode chegar a R$ 1 bilhão.
O problema, diz Alísio Vaz, presidente do Sindicom, é quem vai pagar a conta. “A refinaria vai cobrar das distribuidoras, que vão cobrar das companhias aéreas?”, pergunta. A expectativa do setor, diz, é que o Judiciário decida que o julgamento de inconstitucionalidade dos benefícios não tenha validade para o passado. Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro já foram ao Judiciário para impedir que sejam obrigados a cobrar o ICMS dos últimos cinco anos.
Andrea Calabi, secretário de Fazenda do Estado de São Paulo, lembra que os Estados também se movimentam no âmbito do Confaz. “Há um pedido principalmente de Estados do Nordeste e do Centro-Oeste para que haja no Confaz uma medida para que os Estados possam anistiar o ICMS devido nos incentivos considerados inconstitucionais.”
A medida teria de ser aprovada por unanimidade. São Paulo, porém, é contra. O secretário conta que São Paulo tem autuado empresas que se utilizam de incentivos fiscais em outros Estados para abater o ICMS devido à Fazenda paulista. Segundo Calabi, são R$ 9 bilhões em créditos de incentivos questionados pela Fazenda. Além disso, diz, há outros R$ 13 bilhões em pedidos de créditos de ICMS que as empresas querem utilizar para abater o imposto devido. “Se houver convalidação [reconhecimento] total dos incentivos, os R$ 9 bilhões viram pó e os R$ 13 bilhões viram ouro. E São Paulo perde R$ 22 bilhões”, diz ele.
“Não queremos quebrar nenhuma empresa e nem prejudicar algum Estado”, diz Calabi. A proposta de São Paulo, diz, é fazer uma avaliação caso a caso. Para ele, os incentivos dados a empreendimentos produtivos, que geraram instalação de fábrica, investimento e valor adicionado, por exemplo, devem ser validados. “Mas não queremos o mesmo tratamento, por exemplo, a incentivos dados a centros de distribuição que são instalados em determinados locais somente para aproveitar a diferença de tributos.”
Para o advogado Júlio de Oliveira, do escritório Machado Associados, trata-se de uma questão difícil. A decisão de anistiar o passado pode ser “antididática” aos Estados, que poderiam continuar a editar medidas inconstitucionais, já que haveria anistia, mesmo que fossem derrubadas pelo Supremo. Ao mesmo tempo, a cobrança do ICMS devido no passado prejudica a empresa que aderiu a uma lei ou decreto e simplesmente aproveitou um benefício fiscal oferecido formalmente por um Estado.
Procurados, os Estados do Rio de Janeiro e de Mato Grosso do Sul não se manifestaram.
Fonte: Valor Econômico