Receita usa tese sepultada para impedir dedução no IR

Por Alessandro Cristo


Uma indústria de ração animal foi ao Judiciário para afastar a limitação imposta pela Receita Federal à dedução de gastos das empresas com o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) no cálculo do Imposto de Renda. A Receita continua aplicando a limitação mesmo depois de o Superior Tribunal de Justiça considerá-la ilegal. A liminar obtida na Justiça Federal de São Paulo garante o direito de a indústria, optante do regime tributário do Lucro Real, abater do valor do IRPJ o dobro do total gasto com auxílio-alimentação pago aos seus empregados, até o limite de 4% do imposto devido. Pela norma da Receita, a dedução era restrita a apenas R$ 1,99 por refeição. Clique aqui para ler a decisão.


A disputa é antiga. Em 1976, foi editada a Lei 6.321 — clique aqui para ler —, prevendo que o que as empresas no Lucro Real gastassem com a alimentação dos funcionários pudesse ser descontado do IRPJ devido, mas o fisco federal resolveu limitar o abatimento. A Portaria Interministerial 366, de 1977, estabeleceu um custo máximo por refeição. A Instrução Normativa 143, de 1986, regulamentou a barreira.


Ao chegar no STJ, porém, a discussão pendeu para o lado dos contribuintes. A corte entendeu que as normas regulamentadoras foram além do que deveriam ao estabelecer limites maiores que os previstos na própria lei, hierarquicamente superior. A decisão punha uma pedra no assunto, pelo menos no âmbito judicial.


Em 2002, a Receita resolveu ressucitar a tese, ao editar a Instrução Normativa 267. “O benefício fica limitado ao valor da aplicação da alíquota do imposto sobre o resultado da multiplicação do número de refeições fornecidas no período de apuração pelo valor de R$ 1,99, correspondente a 80% do custo máximo da refeição de R$ 2,49”, diz a norma no artigo 2º, parágrafo 2º.


Sem inovar na tese, o fisco permitiu que as empresas usassem os mesmos argumentos que derrubaram os limites quando a matéria subiu ao STJ pela primeira vez. “A Portaria Interministerial 326/77 e a Instrução Normativa 143/86, ao fixarem custos máximos para as refeições individuais como condição ao gozo do incentivo fiscal previsto na Lei 6.321/76, violaram o princípio da legalidade e da hierarquia das leis porque extrapolaram os limites do poder regulamentar”, afirmou o ministro Castro Meira em 2008, ao relatar para a 2ª Turma do STJ o Recurso Especial 990.313, da União.


À mesma conclusão chegou a juíza Tânia Regina Marangoni Zauhy, da 16ª Vara Federal Cível de São Paulo. Ao conceder a liminar em maio, a juíza afirmou que a Receita cometeu “patente ofensa aos princípios da legalidade e hierarquia das normas” ao editar a IN 267/02 — argumento quase idêntico ao do STJ em relação às primeiras normas do fisco.


Embora seja optante do Lucro Real desde 2006, a indústria jamais havia feito a dedução nos limites fixados apenas na Lei Federal 9.532/97, menos rígida que as normas do fisco. Segundo o advogado Marcelo Guaritá, do escritório Diamantino Advogados Associados, a decisão da juíza permite que os valores do PAT sejam aproveitados integralmente a partir de agora. “Não há sequer necessidade de depósito do valor em juízo, já que não houve essa exigência na decisão”, diz.


Ele explica que, no caso de empresas que já tenham sofrido autuações da Receita devido às deduções, recursos administrativos podem solucionar o problema, uma vez que existem decisões favoráveis aos contribuintes no antigo Conselho de Contribuintes — hoje Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, o tribunal paritário administrativo onde as autuações são contestadas.


As que não foram autuadas podem recorrer ao Judiciário para afastar a limitação, enquanto a Receita não revogar a instrução. Na Justiça, a batalha está ganha. “O Ato Declaratório 13, de 2008, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, dispensa os procuradores de recorrer em relação a esse assunto”, afirma Guaritá. A dispensa se baseia no Parecer 2.623/08 da PGFN.


Processo 2009.61.00.011548-8

Fonte: Conjur

Compartilhar