O número de empresas em recuperação judicial no Brasil voltou a subir de forma expressiva no terceiro trimestre, puxado por um forte movimento no Estado de Minas Gerais. No período, 433 companhias do país receberam autorização do Judiciário para negociar dívidas com credores, mais que o triplo do trimestre anterior (141), o que gerou mais um recorde. No fim de setembro, um total de 4.408 corporações estavam em processo de reestruturação, segundo dados do Monitor RGF de Recuperação Judicial, da consultoria RGF & Associados, compartilhados de forma exclusiva com o Valor.
A quantidade, no fim do terceiro trimestre do ano, é 13,8% maior que a do mesmo período de 2023. Em relação ao segundo trimestre, a alta é de 4,4%. O Estado com o maior crescimento foi Minas Gerais, de 19%, quase três vezes acima da média brasileira – foi o maior aumento absoluto, considerando a quantidade que entrou e saiu da tutela do Judiciário.
Os números indicam que a crise financeira no Estado foi generalizada, afetando 36 setores. Quase um terço das 57 recuperações judiciais no terceiro trimestre envolve holdings patrimoniais e as atividades de compra de imóveis, cultivo de café e transporte rodoviário de carga. No fim de setembro, havia 297 companhias mineiras em processo de reestruturação.
Uma das que recorreu ao Judiciário é a Coteminas, com passivo de R$ 2 bilhões. O pedido de recuperação foi feito em maio, mas deferido em julho – este segundo momento é o considerado pelo Monitor RGF.
A dona das marcas Artex e MMartan alegou como causa da crise financeira “desafios de liquidez nos últimos anos, agravados, principalmente, pela pandemia causada pela covid-19”. Também deu razão à elevada taxa básica de juros, a Selic, queda nas vendas e uma dívida com a gestora Farallon, que ameaçava antecipar o vencimento do débito, o que implicaria perda do controle da Ammo Varejo. O plano de recuperação foi apresentado em setembro (processo nº 5110566-79.2024.8.13.0024).
Outro exemplo é o Grupo Patense, fabricante de rações animais. Com dívida de R$ 1,4 bilhão, pediu recuperação em junho e teve o pedido aceito em setembro. Mais de dez empresas do conglomerado e nove produtores rurais da família do fundador, Clênio Gonçalves, estão no processo.
Cerca de R$ 500 milhões da dívida refere-se a Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) e R$ 800 milhões são com bancos e fornecedores. O grupo também alega como motivo a alta dos juros, além de despesas com aquisições de plantas que não performaram o esperado. A ação foi suspensa em meados de outubro até que seja feito um laudo de constatação prévia (processo nº 5009533-36.2024.8.13.0480).
Apesar de registrar o maior aumento dentre os Estados, Minas se mantém abaixo da média nacional do Índice RGF de Recuperação Judicial (IRJ-RGF), que ficou em 1,90. Significa que quase duas de cada mil empresas no Brasil negociam dívidas judicialmente. No segundo trimestre de 2024, o indicador estava em 1,84. Há um ano, registrava 1,79. No Estado, ficou em 1,52 em setembro – superior aos 1,2 do mesmo período do ano passado.
O professor Eduardo Menicucci, da Fundação Dom Cabral, formado em direito e economia, diz que Minas foi um dos afetados pela seca e os empresários têm dado uma chance para o instituto da recuperação judicial, que há tempos é visto com preconceito. “As empresas de Minas estão também começando a descobrir que se entrarem com o pedido no momento correto, conseguirão se recuperar”, afirma.
A crise no agronegócio, acrescenta, provocou um efeito cascata nos demais setores, como o de transporte de carga. “O agro, transporte e comércio varejistas de combustíveis são setores interligados. Se diminui o escoamento de produtos do agro, diminui o transporte de carga e a demanda por combustível, acarretando todo o ciclo produtivo.”
A seca elevou o custo para as empresas de Minas Gerais”
Juliana Gagliardi
Os setores citados são alguns do que mais têm empresas em reestruturação no Brasil: holdings patrimoniais (268), incorporadoras imobiliárias (266), construção de edifícios (206), transporte rodoviário de carga (156) e postos de gasolina (109).
A economista Juliana Gagliardi, da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), diz que a seca elevou o custo para as empresas. “A seca afeta diversos setores produtivos ao pressionar os preços dos insumos e da energia, gerando um efeito cascata sobre os custos de operação. A combinação desses fatores coloca as empresas mineiras em uma posição de maior vulnerabilidade em comparação com as de outros Estados”, afirma Juliana, mencionando o setor de serviços, afetado pela escassez de mão de obra qualificada e o alto índice de rotatividade, além das pressões econômicas gerais.
Outro Estado com empresas em dificuldade é o Rio Grande do Sul, por conta da tragédia climática. Ele se mantém como o segundo com mais empresas em reestruturação (396), após São Paulo (1.255). De acordo com a advogada e administradora judicial Joice Ruiz, do Joice Ruiz Advogados, o acesso a crédito pelos pequenos empresários tem sido difícil.
“O BNDES não consegue chegar em todo mundo, principalmente nos pequenos, que perderam tudo e não têm mais terra para plantar nem máquinas ou imóveis”, afirma ela, projetando que os números devem piorar nos próximos meses.
Para Joice, a economia continua desacelerada e, por isso, ainda se vê crescimento no volume de recuperações judiciais. “A retomada está muito lenta e os juros muito altos. Tem também a alta do dólar e o crédito que está muito mais caro”, diz. “Todo o tempo que se teve na pandemia de alongamento da dívida acabou e, agora, a conta chegou.”
Roberta Gonzaga, consultora da RGF, indica que a curva de aumento das recuperações se acentuou. E que a alta taxa de juros é um problema, pois tem um efeito “bola de neve”. Isso porque a maior parte da dívida das empresas é com bancos, de quem elas precisam pegar novos empréstimos. “Elas precisam de fôlego financeiro e mais capital de giro para operar e terminam voltando em uma nova captação, que está muita cara. Isso faz com que o crescimento volte a acontecer.”
Por isso, o ideal é remodelar toda a operação, diz Rodrigo Gallegos, sócio da RGF & Associados, que tem visto as companhias apenas rolarem as dívidas. “Elas tomam o remédio para a dor, mas não vão atrás do que está gerando a dor”, afirma. “É de extrema importância elas unirem essa negociação dos endividamentos com aumento de capacidade de gerar mais resultados, que só é possível através da revisão de estratégia e operação.”
Segundo o economista Antonio Corrêa de Lacerda, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), após o caso Americanas, o mercado tem sido mais seletivo na cessão de crédito, exigindo garantias e oferecendo taxas “proibitivas”, o que inviabiliza a operação empresarial. “Há um descasamento entre a capacidade de geração de caixa das empresas e o custo do financiamento”, avalia. Por isso, diz, “a única saída acaba sendo a recuperação judicial”. “É a única chance que a empresa tem para não sucumbir de vez.”
Fonte: Valor Econômico.