Repercussão geral da contribuição ao Incra

Por Marcos Joaquim G. Alves, João Marcos Colussi e Rodolfo Tamanaha

No dia 4 de novembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu no Plenário Virtual pela revisão da tese firmada no Recurso Extraordinário (RE) nº 578.635/RS, a respeito da contribuição ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Vale recordar que, neste caso, o Supremo havia entendido que a discussão a respeito da cobrança da contribuição não teria repercussão geral, na medida em que seria matéria restrita ao interesse das empresas urbanas eventualmente contribuintes do tributo.

De acordo com o ministro Dias Toffoli, relator do recurso julgado pelo Plenário Virtual (Recurso Extraordinário nº 630898), seria o caso de revisar o entendimento firmado pelo tribunal, uma vez que três temas de interesse geral estariam presentes na discussão acerca da legitimidade da contribuição ao Incra: a recepção do tributo pela Constituição Federal de 1988; a definição de sua natureza jurídica, em face do advento da Emenda Constitucional nº 33, de 2001; e a existência de nexo direto entre as finalidades da contribuição e os sujeitos passivos da obrigação tributária, ou seja, a chamada “referibilidade”.

O voto do ministro Dias Toffoli se encontra em harmonia com precedente igualmente recente, de relatoria da hoje aposentada ministra Ellen Gracie (Agravo de Instrumento nº 718.888/RS), que reconsiderou decisão que aplicara os efeitos da ausência de repercussão geral da questão constitucional com supedâneo no citado Recurso Extraordinário nº 578.635/RS, ao acolher o argumento de que os fundamentos da discussão envolvendo a contribuição ao Incra seriam mais amplos do que aqueles do precedente citado.

O interessante desse posicionamento é que, de uma única vez, pretende-se corrigir ao menos duas distorções consideráveis ocorridas em julgamentos realizados no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do próprio Supremo, no tocante à contribuição ao Incra, respectivamente: o entendimento de que a contribuição ao Incra seria uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), quando sua jurisprudência sempre a identificou como contribuição destinada à seguridade social; e reconhecer o fato de que não se trata de tributo restrito às empresas urbanas, mas que abrange igualmente as empresas rurais.

Especificamente com relação à jurisprudência do STJ, não é demais recordar que a Corte tinha o entendimento de que a contribuição ao Incra detinha natureza jurídica de contribuição previdenciária, e que teria sido extinta ora pela Lei nº 7.787, de 1989, ora pela Lei nº 8.212, de 1991. Porém, a sua 1ª Seção, no julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 770.451/SC, ao dirimir dissídio existente entre as duas turmas de direito público, reviu seu posicionamento no sentido de reconhecer que a contribuição ao Incra seria uma Cide, motivo pelo qual o tributo seria íntegro até os dias atuais, não havendo que se cogitar de sua extinção.

Porém, com a afetação do tema ao Plenário do Supremo, acredita-se que a identificação realizada pelo STJ da contribuição ao Incra como espécie de contribuição interventiva será reformada, tendo em vista que a Corte constitucional possui diversos julgados que estabelecem que as Cides têm por objetivo servir de instrumento de regulação da União em determinada área da economia, o que não se coaduna com a contribuição ao Incra, que permaneceu vinculada às despesas decorrentes da prestação de serviços sociais no meio rural, o que evidenciaria sua natureza jurídica de contribuição previdenciária. Inclusive o próprio Supremo já se manifestou no sentido de declarar que a contribuição ao Incra destina-se a cobrir os riscos aos quais está sujeita toda a coletividade de trabalhadores (universalidade), o que afastaria sua caracterização como Cide.

Ademais, percebe-se que, mesmo que o Supremo venha a entender que a contribuição ao Incra é uma contribuição interventiva, deverá ser enfrentada necessariamente a questão da sua revogação pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001, por inconstitucionalidade superveniente, haja vista que a base de cálculo da contribuição (folha de salários) não encontra amparo na nova redação do artigo 149, parágrafo 2º, III, “a”, que só permite que as Cides alcancem o faturamento, a receita, o valor da operação ou o valor aduaneiro, no caso de importação.

Diante disso, considera-se muito salutar a decisão do Supremo de se dispor a revisar a tese firmada no Recurso Extraordinário nº 578.635/RS, ao reconhecer que a controvérsia que ainda hoje circunda a contribuição ao Incra possui repercussão geral, possibilitando, dessa forma, que a Corte constitucional avance na análise do mérito de um tema que merece ser definitivamente pacificado.

Marcos Joaquim Gonçalves Alves, João Marcos Colussi e Rodolfo Tamanaha são, respectivamente, sócios e advogado do Mattos Filho Advogados

Fonte: Valor Econômico

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