STF analisa retroatividade de lei de improbidade

O Supremo Tribunal Federal (STF) somou ontem dois votos para que a nova Lei de Improbidade Administrativa – mais benéfica aos réus que a anterior – possa ser aplicada em processos sobre atos culposos (sem intenção) que ainda estejam em curso.

Na prática, esse entendimento, se prevalecer, pode beneficiar políticos que já foram condenados por improbidade, mas ainda têm recursos pendentes – caso do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que pretendem se candidatar às eleições.

Manifestaram-se nesse sentido o relator, ministro Alexandre de Moraes, e o ministro André Mendonça. Em seguida, a sessão foi suspensa, para continuidade na sessão de hoje. Ainda faltam se posicionar os ministros Nunes Marques, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e o presidente do STF, Luiz Fux.

Apesar de concordarem quanto aos casos que ainda estão em andamento, Moraes e Mendonça divergiram quanto às ações que já transitaram em julgado – ou seja, cujas possibilidades de recorrer estão esgotadas – e quanto à retroatividade dos novos prazos de prescrição, mais curtos que os previstos anteriormente.

Segundo o relator, não há como reabrir sentenças que já foram consideradas definitivas pela Justiça, seja por atos culposos ou dolosos (aqueles cometidos deliberadamente, visando o enriquecimento ilícito e o prejuízo aos cofres públicos). Para Mendonça, entretanto, é possível que as defesas usem a nova lei, sancionada no ano passado, para mover ações rescisórias e requerer indenizações do Estado.

Em relação à prescrição, Moraes votou pela não retroatividade dos novos prazos. “A inércia do Estado nunca poderá ser caracterizada por uma lei futura que, diminuindo os prazos prescricionais, passe a exigir o impossível, ou seja, que, retroativamente o poder público – que foi diligente e atuou dentro dos prazos à época existentes – cumpra algo até então inexistente.”

Já para Mendonça, as novas regras de prescrição “aplicam-se de maneira imediata, inclusive aos processos em curso e aos fatos ainda não processados”. Ele afirmou que o prazo deve ser contado a partir do dia em que a nova lei entrou em vigor (25 de outubro de 2021), abatendo o tempo já transcorrido durante a vigência da norma anterior.

Ambos têm visões comuns sobre as ações que ainda estão em tramitação, mesmo aquelas em que já houve sentença de primeiro ou segundo graus, mas das quais ainda cabem recursos. Na avaliação de Moraes, um agente público não pode ser processado por um ato de improbidade que não existe mais – a nova lei prevê punição apenas quando houver dolo, deixando de fora a modalidade culposa.

“Poderá, daqui a um mês ou dois meses, o juiz condená-lo por um ato de improbidade culposo, que não mais existe? Eu entendo que não”, disse o relator. Na mesma linha, Mendonça fez uma analogia com as regras do futebol. “Alguém se consagrou campeão com um gol aos 90 minutos. E então vem uma regra nova, de que o tempo regulamentar é de 80 minutos. Nós podemos tirar o título dele? Não.”

Moraes, entretanto, foi além e disse que isso não significa que todas as ações por ato culposo devam ser automaticamente extintas. “Até porque é preciso analisar se o gestor vislumbrou a irregularidade, mas disse ‘dane-se’, o que configuraria o dano eventual”, alertou. Segundo ele, caberá a cada juiz verificar se houve a má-fé e, com base nisso, decidir pelo prosseguimento ou não do processo.

Os dois votos também convergiram no sentido de que, seja em casos já transitados em julgado ou que ainda não tenham sido encerrados, todas as provas colhidas se mantenham válidas, o que permitirá que esses elementos sejam compartilhados com outros processos ou embasem a abertura de novas ações, inclusive na área penal.

Fonte: Valor Econômico.

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