Um precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou a cobrança de multa de uma empresa condenada a pagar dívida em execução provisória – processo contra o qual ainda cabe recurso judicial. Com a reforma do processo de execução civil, por meio da Lei nº 11.232, de 2006, foi incluído no Código de Processo Civil (CPC) um dispositivo que exige o pagamento de 10% do valor em discussão, quando o executado é condenado e não paga em 15 dias. Mas o CPC não especifica se isso valeria apenas em execuções definitivas, ou seja, no fim do processo, ou também nas provisórias. A decisão do STJ já vem influenciando os tribunais de segunda instância. Com base no julgado, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que na maioria das vezes julgava a favor da cobrança da multa, decidiu livrar uma empresa da pena.
Para a empresa, o impacto da decisão do STJ, será um ganho de fôlego financeiro. O advogado que representa a empresa no processo, Heitor Vitor Fralino Sica, afirma que a empresa precisará apenas oferecer bens à penhora como garantia na execução. “Mas deixa de ter que pagar a multa de 10% que, no caso, corresponderia a R$ 5,1 mil”, diz.
O STJ já proferiu diversas decisões a respeito de outros aspectos deste mesmo artigo, o 475-J do CPC, como, por exemplo, a partir de quando deve ser contado o prazo de 15 dias para cobrança da multa.
Em outubro do ano passado, um recurso da Fundação Petrobras de Seguridade Social (Petros), que trata da multa de 10%, chegou à pauta do tribunal. No entanto, por unanimidade, os ministros da quarta turma decidiram encaminhá-lo para a corte especial. Em dezembro, em entrevista ao Valor, a ministra Nancy Andrighi disse que iria estudar se poderia ser imposta minoração da multa de 10%, conforme o caso concreto. Mas o processo ainda não foi apreciado.
A primeira decisão do STJ a respeito da aplicação da multa em execuções provisórias foi proferida pela Segunda Turma no início de maio. Em seu voto, o ministro relator Humberto Martins afirmou que, antes do trânsito em julgado da sentença – quando ainda há possibilidade do executado ajuizar recurso – o devedor não está efetivamente condenado. O ministro considerou ainda o entendimento de que o pagamento é a aceitação tácita da dívida, porém o processo ainda não havia se encerrado. Por fim, a turma concluiu que obrigar o executado a efetuar o pagamento sob pena de multa, estando pendente o julgamento de recurso, seria como obrigá-lo a praticar um ato incompatível com o seu direito de recorrer.
O precedente do STJ é importante porque sinaliza o posicionamento do tribunal sobre o tema. Na prática, a decisão será útil em processos em que se discute a aplicação da multa em execuções provisórias. Para o advogado Elias Marques de Medeiros Neto, do escritório Barbosa, Müssnich e Aragão Advogados (BMA), a decisão abre via para a divergência nos tribunais estaduais. “E facilitará a apreciação de outros recursos especiais, referentes a execuções provisórias, que ainda estão para chegar no STJ”, diz. No ano passado, a jurisprudência sobre a aplicação da nova lei processual foi levantada por Medeiros Neto. O advogado analisou decisões do STJ e dos principais tribunais de Justiça (TJs) do país – São Paulo, Rio Grande do Sul, Goiás, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Paraná. Em relação à aplicação da multa em execuções provisórias, segundo o levantamento, há decisões favoráveis à incidência da multa nos TJs fluminense, paulista, gaúcho e sul-mato-grossense – sendo que no Rio e São Paulo há também decisões contrárias.
No fim de maio, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) proferiu uma decisão contrária à aplicação da multa com base na decisão do STJ. “Não há que se falar em multa em execução provisória”, declarou o desembargador relator Natan Zelinschi de Arruda. Em uma das decisões do TJSP a favor da aplicação da multa, o desembargador Manoel Justino Bezerra Filho declarou: “Em caso de execução provisória, a multa é devida após a intimação para pagamento do valor devido, intimação a ser feita pela imprensa, em nome do advogado”. Se a multa é paga na execução provisória e na decisão final do processo o executado não for considerado devedor, a multa recolhida é devolvida, corrigida. O advogado Flávio Pereira Lima, sócio do Mattos Filho Advogados, afirma que como as decisões do STJ são muito influentes sobre os tribunais estaduais – embora não sejam vinculantes – o impacto desta decisão deverá ser relevante. “Em São Paulo, até então, inúmeros julgados eram a favor da multa”, diz o advogado.
Só poderá ser proposto recurso contra a decisão da Segunda Turma, se outra turma do STJ julgar a questão em sentido contrário. Caberia ainda recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal (STF) se fosse alegada alguma inconstitucionalidade da lei nº 11.232, o que não é o caso. Mas há críticos à decisão do STJ. “Aplica-se a multa justamente para que a execução provisória seja eficaz”, defende o advogado Pérsio Thomaz Ferreira Rosa, do escritório Ferreira Rosa Sociedades de Advogados. Para Rosa, a interpretação do STJ implica em dificultar a execução e ir contra o espírito da lei. Na época em que se discutiu a reforma do processo civil, um dos seus principais objetivos, segundo os juristas que participaram dela, era criar ferramentas para garantir o pagamento devido. “A multa atua como fator de estímulo a que o devedor não incorra em inadimplemento”, argumenta
Fonte: Valor Econômico