Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deve dificultar a retirada do nome de diretores, sócios e administradores de empresas das ações de cobrança de tributos propostas pelo fisco federal ou dos Estados – e pelas quais eles correm o risco de responder pelas dívidas corporativas com seu patrimônio pessoal. A primeira seção da corte confirmou a tese, temida por advogados, de que se o nome do sócio ou do administrador da companhia estiver na certidão de dívida ativa (CDA), caberá a ele – e não ao fisco – provar na Justiça que não incorreu nas situações previstas no Código Tributário Nacional (CTN) que possibilitam a responsabilização pessoal pelos débitos tributários das empresas que dirigem. Ou seja, o executivo terá que demonstrar que não agiu com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto da empresa.
Na prática, a decisão da primeira seção do STJ conferiu à certidão de dívida ativa CDA a chamada “presunção de certeza”, ainda que a inscrição do nome do sócio tenha sido efetuada de forma automática, junto com a do nome da empresa, e sem a comprovação de que ocorreu a violação dos pressupostos do CTN. Esse entendimento já vinha sendo adotado pela corte em algumas decisões. A novidade agora é que o julgamento ocorreu em sede de recurso repetitivo. Isto significa que, embora a decisão não seja de cumprimento obrigatório pelas instâncias inferiores, o instrumento evitará a subida de novos recursos sobre o mesmo tema ao tribunal superior.
No caso julgado, a primeira seção do STJ negou um recurso de um sócio de uma empresa em um processo que envolve o Estado do Espírito Santo. Seu nome foi incluído na ação de execução fiscal movida contra sua empresa pelo fisco estadual. O sócio argumentou que houve uma inclusão automática de seu nome na certidão da dívida ativa sem que fosse provada qualquer infração. A ministra Denise Arruda, relatora do processo no STJ, considerou que, se o nome do sócio consta na certidão, cabe a ele o ônus da prova. A ministra considerou ainda que, como se trata de matéria de prova, a questão não poderia ser examinada na chamada “exceção de pré-executividade” – mecanismo que costuma permitir ao contribuinte discutir a inscrição indevida na certidão pela ausência de pressupostos legais e sem a necessidade de depósito ou do oferecimento de bens como garantia à execução fiscal.
Na avaliação de tributaristas, a decisão é contraditória ao próprio entendimento da corte. Isso porque, no julgamento de outro recurso repetitivo, na mesma data, o STJ entendeu que a simples falta de pagamento de um tributo não configura, por si só, a responsabilidade subsidiária do sócio – o que só poderia ocorrer quando ocorre as infrações previstas no CTN. No entanto, segundo especialistas, pelo julgamento do recurso envolvendo o Estado do Espírito Santo, quando há uma inscrição em certidão de dívida ativa essa proteção ao contribuinte cai por terra, pois o fisco não precisa comprovar a existência das condições previstas no código tributário para inclui-lo como réu na execução. “A decisão deu margem para que a Fazenda inclua todos os sócios no polo passivo sem que haja a infração da lei”, afirma o advogado Pedro Afonso Gutierrez Avvad, da banca Avvad, Osório Advogados.
De acordo com o advogado Igor Mauler Santiago, do escritório Sacha Calmon – Misabel Derzi Advogados, muitas vezes o nome do sócio ou do administrador é inscrito indevidamente na certidão de dívida ativa com a supressão da instância administrativa, ou seja, sem que o diretor da empresa tenha sido notificado na época do auto de infração para se defender na instância administrativa. “Muitas inscrições são feitas de última hora e nem há a preocupação de confirmar se o diretor estava no cargo na data do fato gerador do débito”, diz Santiago.
Segundo tributaristas, provar que o sócio ou o administrador da empresa não cometeu as infrações previstas no código, como o abuso de poder, pode levar anos. E enquanto o processo se desenrola, seus bens pessoais permanecem bloqueados na Justiça para garantir o débito. Na avaliação do advogado Marcos Joaquim Gonçalves Alves, do escritório Mattos Filho Advogados, deveria prevalecer, no processo tributário, a presunção de inocência do contribuinte, a exemplo do que ocorre no direito penal.
Fonte: Valor Econômico