O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, manter o limite para a dedução de despesas com educação do Imposto de Renda (IRPF). Desde 2015, esse teto é de R$ 3.561,50. O entendimento, favorável ao governo, evitou uma perda de R$ 115 bilhões para os cofres públicos, conforme estimativa indicada no anexo de riscos fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025.
Essa é a segunda ação de maior impacto tributário prevista no documento, atrás somente de um processo que discute a exigência de lei complementar para a cobrança de PIS/Cofins sobre a importação, que envolve R$ 325 bilhões (RE 565886). O julgamento ocorreu no Plenário Virtual e foi encerrado à meia-noite de sexta-feira. Prevaleceu o voto do relator, o ministro Luiz Fux.
A ação foi proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), em março de 2013. Para a entidade, não deveria existir teto, e sim uma dedução ilimitada das despesas educacionais do IRPF. Pedia que fossem declarados inconstitucionais dispositivos do artigo 8º da Lei nº 9.250/1995, com redação dada pela Lei nº 12.469, de 2011, que dispõem sobre os limites para 2012, 2013 e 2014 — de R$ R$ 3.091,35; R$ 3.230,46 e R$ 3.375,83, respectivamente.
Segundo advogados, apesar de a OAB só pedir a inconstitucionalidade do teto para esses três anos, se o STF decidisse que a trava seria inválida, valeria para os anos seguintes. Ou seja, o impacto para a União poderia ser muito maior do que o previsto na LDO.
De acordo com dados abertos mais recentes da Receita Federal, no IRPF de 2023 (referente a 2022), os contribuintes declararam pagar R$ 70,5 bilhões com educação, mas só R$ 22,9 bilhões puderam ser deduzidos do Imposto de Renda. Significa dizer que a trava vedou a dedução de R$ 47,6 bilhões só naquele ano.
A Advocacia-Geral da União (AGU) informou, no processo, que o impacto para os sofres públicos seria da ordem de R$ 95,8 bilhões, entre 2018 e 2022, e de R$ 19,16 bilhões anuais para os exercícios seguintes.
Para a OAB, o teto afronta o conceito de renda, a capacidade contributiva, o princípio do não confisco, a dignidade da pessoa humana e a proteção da família. Na petição inicial, argumentou que o limite não contempla “inúmeras atividades essenciais à formação e ao aprimoramento intelectual e profissional do cidadão, como, entre outras, a aquisição de material didático, as aulas particulares e os cursos de idiomas, de artes e pré-vestibulares”. “É uma dedução claramente irrealista”, acrescentou a entidade.
Já a AGU alegou que invalidar os dispositivos implicaria a ausência de limite para dedução de despesas educacionais, o que faria com o que o STF atuasse como legislador, algo que não é permitido. Para a Procuradoria-Geral da República (PGR), a medida “somente beneficiaria minoria de contribuintes, cujas condições financeiras lhes permite matricular os filhos em escolas de mensalidades mais elevadas”.
O relator, Luiz Fux, acatou esses argumentos. Lembrou que a Constituição Federal de 1988 garantiu o direito à educação e concedeu à iniciativa privada o livre exercício, paralelamente ao Estado, das atividades de ensino. E que o mecanismo da dedução foi criado para reduzir a carga tributária e, consequentemente, estimular o direito à educação.
Mas que a pretensão do CFOAB não poderia ser aceita. Isso porque “haveria menos recursos públicos para o financiamento da educação oficial e maior incentivo de acesso às instituições particulares pela parcela da população que possui maior capacidade contributiva”.
“O sistema de dedução ilimitada, por meio de declaração de inconstitucionalidade dos limites existentes, agravaria a desigualdade na concretização do direito à educação que se busca tutelar na presente via”, afirma o ministro Fux, no voto (ADI 4927).
A antiga relatora do caso, a ministra Rosa Weber, aposentada, também havia julgado a ação improcedente. A análise começou no Plenário Virtual em agosto de 2022, mas como houve pedido de destaque da própria Rosa Weber, o julgamento teve que ser reiniciado.
O tributarista Luiz Gustavo Bichara, sócio do Bichara Advogados, que representa o CFOAB no caso, diz que mesmo com a decisão contrária do STF, o governo, junto com o Congresso, deveria rever o limite atual, que desde 2015 está congelado. “O IPCA do período acumula alta de 75%, de modo que, na prática, é como se esse teto tivesse sido reduzido na mesma proporção”, afirma.
“O ministro da Fazenda [Fernando Haddad], que já comandou a pasta da Educação, deveria demonstrar mais sensibilidade quanto ao assunto, especialmente por se tratar de uma pauta que afeta dezenas de milhões de famílias brasileiras”, acrescenta.
Para o tributarista Janssen Murayama, sócio do Murayama, Affonso Ferreira e Mota Advogados, não deveria haver limite para a dedução das verbas no IRPF. “Considerando que a gente vive em um país que a educação é muito ruim, limitar e tributar as verbas vai contra os valores eleitos como os principais para o povo brasileiro na Constituição, que são o da educação”, afirma.
Ele lembra que na regulamentação da reforma tributária, aprovada e sancionada no início deste ano (Lei Complementar nº 214/2025), foram previstas alíquotas reduzidas para a educação, além da saúde e alimentação. “É o terceiro valor mais forte na Constituição. Existiria perda na arrecadação [se a ADI fosse julgada procedente], mas poderia se compensar de outras formas, como foi feito com o imposto seletivo”, acrescenta.
Em nota, a OAB diz que “sustenta, desde 2013, que os tetos para dedução de despesas educacionais no Imposto de Renda são incompatíveis com a realidade do país e violam princípios constitucionais”.
Também por nota, a AGU destaca que “defendeu a constitucionalidade dos limites, argumentando que o IRPF incide sobre a renda, e não sobre despesas, e que a definição de deduções cabe ao legislador ordinário”.
Fonte: Valor Econômico.
