Tribunais divergem sobre tributação da extensão da licença paternidade e maternidade

Decisões aplicam precedentes do STF e STJ de maneira equivocada, dizem advogados.

Os tribunais regionais federais têm divergido sobre a tributação da extensão da licença maternidade e paternidade. Desembargadores têm afastado a incidência das contribuições previdenciárias sobre os 60 dias adicionais do benefício cedido às mulheres por integrantes do Programa Empresa Cidadã, mas validam a aplicação dos tributos para os homens. Segundo especialistas, as decisões são incoerentes, pois ambos são uma indenização pelo período de afastamento e não salário.

As empresas que aderem ao programa, criado pela Lei nº 11.770/2008, podem prorrogar por dois meses o período de afastamento às funcionárias que tiveram filho ou adotaram e por mais 15 dias para os pais. Em troca, pode abater os valores pagos do Imposto de Renda (IRPJ). Pelo menos 29.727 corporações fazem parte da iniciativa, segundo dados públicos da Receita Federal. Podem aderir contribuintes do lucro real – com faturamento acima de R$ 78 milhões.

Não há, segundo advogados, previsão em lei sobre como é a tributação da extensão. Sobre o período da licença maternidade em si, o Supremo Tribunal Federal (STF) vedou a incidência das contribuições previdenciárias (Tema 72). Já para a licença paternidade, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu pela tributação (Tema 740). Como os dois julgamentos foram dados, respectivamente, em repercussão geral e recurso repetitivo, devem ser seguidos pelas instâncias inferiores do Judiciário.

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), por exemplo, que abarca os Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, tem aplicado esses precedentes em relação à prorrogação dos afastamentos. Segundo especialistas, isso tem sido unânime nas 1ª e 2ª instâncias.

Um levantamento feito por Túlio Parente, do Rivitti e Dias Advogados, indica que 13 decisões do TRF-3 foram desfavoráveis e uma favorável à tributação da extensão da licença maternidade, entre os anos de 2021 e 2025. Já na da paternidade, foram mapeados 11 acórdãos, todos pela incidência das contribuições.

Para Túlio Parente, não pode ser aplicado o mesmo entendimento sobre a licença à extensão. Isso porque os benefícios não são regulados pela mesma lei. Enquanto as licenças são um direito previsto na Constituição Federal, a prorrogação é facultativa e dada só aos funcionários de companhias que aderiram ao Programa Empresa Cidadã.

“A extensão é uma licença com a mesma estrutura, pagamento integral, sem prestação de serviço e concedida exclusivamente em razão da adesão da empresa ao programa”, afirma Parente. Por isso, para ele, não faz sentido dar um tratamento fiscal diferente em relação à mãe e ao pai. Segundo o advogado, é preciso fazer uma diferenciação entre os dois períodos.

“O objeto da discussão não é o salário maternidade nem paternidade, é a prorrogação facultativa dessa licença no contexto da adesão ao Programa Empresa Cidadã, uma política fiscal compensatória para proteção da primeira infância”, diz o especialista.Há tributaristas que defendem ainda que o próprio salário paternidade não deve ser tributado. 

Pelas mesmas razões da isenção dada ao salário maternidade – e, por consequência, as respectivas prorrogações.

A especialista em direito previdenciário Cristiane Matsumoto, sócia do Pinheiro Neto Advogados, diz que para a prorrogação do salário maternidade não há mais discussão, por conta de pareceres da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) que permitem a aplicação do Tema 72 do STF, como o Parecer SEI nº 1782/2023.

O impasse, hoje, é com a licença paternidade e sua extensão. “Todo o racional do Tema 72 também deveria ser aplicado para licença paternidade e sua respectiva prorrogação”, diz. “Porque os argumentos de ausência de retributividade, habitualidade e contrato de trabalho interrompido também existem”, acrescenta.

Segundo Cristiane, há uma dificuldade hoje de dialogar a com juízes e desembargadores sobre a diferenciação das teses, por causa do caráter vinculante do Tema 740 do STJ. Por isso, ela acredita que a controvérsia deve ser definida pelo STF, a favor dos pais, sob o enfoque constitucional.

Um dos casos analisados pelo TRF-3 envolve a Hejoassu Administração S.A., holding que controla o conglomerado Votorantim. A empresa pediu na Justiça a não incidência da contribuição previdenciária sobre os salários maternidade e paternidade, além da prorrogação. A 1ª Turma do TRF-3 deu a isenção para o salário maternidade e a extensão, mas manteve a tributação para o salário paternidade aplicando os precedentes do Supremo e STJ.

“O salário paternidade é concedido ao trabalhador durante o período de afastamento para o exercício de sua paternidade, com a finalidade de compensá-lo financeiramente pela suspensão temporária de suas atividades laborais. Em razão disso, ele possui natureza salarial. Assim, os valores pagos a título de salário paternidade devem ser tributados”, afirmou o relator, desembargador Renato Becho (processo nº º 5024514-37.2023.4.03.6100).

A advogada do caso, Tatiana Cappa Chiaradia, sócia do Candido Martins Cukier Advogados, prepara recurso para o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Na visão dela, nenhum dos dois deveria ser tributado. “Tem um perfil de indenizar os pais pelo período não trabalhado, em que ficam voltados para o recém-nascido. O direito da licença é do bebê, como está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente [ECA] e na Constituição”, diz.

Tatiana reforça que a jurisprudência do Supremo só exige as verbas previdenciárias se houver contraprestação do serviço e habitualidade, o que não ocorre nesses períodos de afastamento.

De acordo com Nanci Gama, sócia do Veirano Advogados, a divergência dos tribunais ocorre porque no caso do salário maternidade, como é um benefício social, é pago pelo INSS. Já o dos pais e a correspondente extensão são pagos pela empresa – esta última dedutível do IRPJ. “Mas em nenhum dos dois, o salário maternidade e paternidade e as extensões, existe prestação de serviço, portanto, a verba não é remuneratória”, diz.

“O fato de a empresa ou o seguro social pagar não é suficiente para invadir a natureza do direito, que é uma garantia dada pelo artigo 7º da Constituição Federal”, adiciona. Ela diz ainda que como o período concedido aos pais é menor, os valores envolvidos não são tão expressivos. Mas para empresas com uma folha de salários relevante, vale a pena a discussão.

Segundo os especialistas, incide sobre o período a contribuição patronal de 20%, o Risco Ambiental de Trabalho (RAT), que varia de 1% a 3%, e as contribuições parafisicais (para o Sistema S), que giram em torno de 5% a 6% sobre a folha.

Procurada, a Receita Federal não deu resposta até o fechamento da edição. A PGFN disse, em nota, que após a decisão do STF sobre licença maternidade, incluiu a controvérsia na lista de dispensa de recursos “abarcando a prorrogação da licença-maternidade prevista no artigo 1º da Lei nº 11.770/2008, que cria o programa Empresa Cidadã”. “Esse entendimento não se estende à licença-paternidade concebida no Programa Empresa Cidadã. Nesse caso, o entendimento é de que incide a contribuição previdenciária”, disse.

Fonte: Portal CPA.

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