Uma decisão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) estabeleceu limites à interferência da Fazenda estadual nas decisões proferidas pelo Conselho de Contribuintes e Recursos Fiscais (CCRF) – a segunda instância administrativa. A Corte entendeu que o secretário não pode reformar decisão do órgão, por meio do chamado “recurso hierárquico”, sem que exista de fato uma falha no processo.
O conselho havia decidido favoravelmente a um contribuinte, cancelando um auto de infração para cobrança de Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) sobre a doação de cotas de uma empresa. A procuradoria se valeu do recurso hierárquico para recorrer à Fazenda, que reformou a decisão.
O recurso hierárquico, existente em grande parte dos Estados, pode ser ajuizado apenas pelas procuradorias da Fazenda, e permite que a secretaria possa rever decisões dos conselhos de contribuintes locais em que se alega falha na condução do processo – no caso de uma das partes não ter sido intimada de forma devida ou quando houver fraudes, por exemplo. O recurso foi criado pelo fato de a Fazenda não poder recorrer à Justiça caso seja derrotada no processo administrativo. Em âmbito federal, no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), o recurso hierárquico foi abolido.
A grande preocupação dos tributaristas é que esse recurso acabe reformando todas as decisões administrativas contrárias à Fazenda. De acordo com o advogado Flávio Zanetti de Oliveira, do escritório Augusto Prolik Advogados Associados, vários contribuintes enfrentam o problema. O advogado atua na defesa da empresa que havia obtido, no ano passado, uma decisão favorável no Conselho de Contribuintes, que anulou uma multa por considerar que a base de cálculo do ITCMD estava errada. Por meio do recurso hierárquico, a procuradoria conseguiu reverter a decisão com a ajuda da secretaria da Fazenda, que baseou a decisão em um “entendimento pessoal”. “A decisão foi de natureza política e não jurídica, o que quebra toda a segurança jurídica do processo”, diz Oliveira.
Com base em um precedente de 2007 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), os desembargadores da 2ª Câmara Cível do TJPR entenderam, por unanimidade, que o secretário de Estado não pode atuar como uma nova instância de julgamento, e deve se limitar a supervisionar a validade formal das decisões e eventuais hipóteses de nulidade. De acordo com a decisão, de relatoria do desembargador Silvio Vericundo Fernandes Dias, a secretaria de Estado não tem o poder de adentrar no mérito da decisão tomada pelo conselho, o que possibilitaria a ocorrência de abusos e a tomada de decisões políticas, prejudicando a legitimidade do processo administrativo.
Apesar de ter acolhido o recurso hierárquico, o secretário da Fazenda do Paraná, Heron Arzua, diz que casos como esse são raríssimos. Segundo Arzua, que está em sua segunda gestão na Fazenda paranaense – o primeiro mandato foi de 1991 a 1994 -, essa prática era comum nas gestões anteriores, que costumavam reformar 100% das decisões do conselho. “Nós mudamos isso. São pouquíssimos os casos de reversão”, afirma, sem justificar, no entanto, a decisão analisada pelo TJPR. “Acho que nem deveria existir mais o recurso hierárquico.” (LC)
Fonte: Valor Econômico