A EC nº 3/93 ao inserir o § 7º ao art. 150 da CF constitucionalizou a chamada substituição tributária para frente.
Dispõe que “a lei poderá atribuir a sujeito passivo da obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deve ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido”.
Essa artimanha legislativa veio à luz como instrumento de antecipação do aspecto temporal do fato gerador. Daí a sua presunção, determinando imediata e preferencial restituição caso ele não ocorra.
Por conta de confusões havidas, a expressão “imediata e preferencial restituição” não passa de letra morta.
A jurisprudência da Corte Suprema desobriga a Fazenda de efetuar a restituição preferencial e imediata, quando ocorrer um outro fato gerador que não aquele presumido que serviu de base ao pagamento antecipado. Tudo indica confusão entre o aspecto nuclear do fato gerador, com o seu aspecto quantitativo. Se há duas bases de cálculo, há dois fatos geradores distintos, da mesma forma que a existência de dois preços diferentes indica a existência de duas operações de compra e venda. Isso é elementar! Não se pode identificar uma compra e venda apenas pelo seu objeto, deixando de levar em conta o preço que lhe é inerente.
A legislação do Estado de São Paulo impõe a restituição na hipótese de o fato gerador ocorrer em extensão menor do que aquele presumido. Na verdade, trata-se de uma declaração acaciana. Porém, animado pela jurisprudência do STF, o Estado de São Paulo ingressou com uma Adin contra a lei que ele próprio elaborou.
Por isso, por ocasião da audiência pública para debater a Pec 233 na Comissão Especial de Reforma Tributária, presidida pelo Deputado Antonio Palocci, apresentamos uma emenda ao citado § 7º para consignar a “imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido ou este venha ocorrer em extensão menor”.
Com tantas interpretações, que não mais obedecem as regras da hermenêutica, impõe-se a explicitação do óbvio.
O certo é que a Constituição impõe a restituição imediata e preferencial sempre que constatar que houve cobrança a maior do imposto, por adotar base de cálculo extrapolada da realidade comercial nas operações de substituição tributária. O § 7º do art. 150 da CF é, pois, auto-aplicável. Qualquer um que entenda os rudimentos do Direito Tributário sabe que a obrigação tributária só surge com a ocorrência do fato gerador, observados os seus aspectos subjetivo, quantitativo, espacial e temporal.
Mais recentemente, decisões monocráticas passaram a confundir a restituição de que cuida o citado § 7º com a compensação tributária. Só falta ser referendada essa confusão pelos tribunais, o que não é difícil de acontecer.
A compensação tributária está prevista no art. 170 do CTN e depende de prévia autorização legislativa do ente político competente.
A lei de cada entidade deverá dispor em que condições o contribuinte poderá compensar o seu crédito líquido e certo junto à Fazenda contra o crédito tributário da mesma Fazenda.
Na esfera federal ela foi instituída pelo art. 66 da Lei nº 8,383/91. Diplomas posteriores, Lei nº 9.430/96 (arts. 73 e 74), Lei 11.196/05 (art. 114) e Lei nº 10.637/02 passaram a reger a matéria.
Em se tratando de compensação por via judicial, a LC nº 104/01 veio introduzir o art. 170-A ao CTN proibindo a “compensação mediante aproveitamento de tributo objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes de trânsito em julgado da respectiva decisão”. Esse dispositivo vem gerando confusão com a restituição imediata e preferencial de que cuida o § 7º do art. 150 da CF.
Com efeito, alguns juízes da Fazenda Pública vêm entendendo prejudicado o pedido de liminar em mandado de segurança para determinar a restituição por via de transferência do crédito do impetrante para sua fornecedora, como prevê a legislação ordinária, sob o fundamento de que a LC nº 104/01 só autoriza a compensação após o trânsito em julgado da decisão. Para essa corrente de pensamento a concessão de liminar implicaria compensação tributária. Patente a confusão.
O direito há de ser interpretado por método que lhe é próprio. Nada justifica lançar mão de interpretação econômica para equiparar juridicamente a restituição do indébito à compensação tributária.
De confusão em confusão, permite-se a perpetuação da violência, que a Fazenda vem cometendo à sombra do § 7º do art. 150 da CF. Esse parágrafo representa a maior insegurança jurídica ironicamente inserida no corpo do art. 150 que inaugura a seção II, versando sobre “Limitações do Poder de Tributar”. Com o auxílio de interpretações canhestras, ele permite ampliar o poder tributário de forma ilimitada.
Pelo jeito ao contribuinte só resta o direito de espernear!
* Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP. Mestre em Processo Civil pela UNIP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Membro do Conselho Superior de Estudos Jurídicos e Legislativos da Fiesp — Conjur. Membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas – APLJ. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
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Fonte: Netlegis