Tributário – Necessidade de encerramento da via administrativa para ação penal tributária

 

Análise sobre a necessidade de esgotamento da via administrativa para desencadear a ação penal por crime contra a ordem tributária.

Francisco Silva Laranja


o encerramento da via administrativa é necessária para a cabimento e propositura da ação penal que visa a comprovação de alguma das condutas tratadas pela Lei 8.137 de 1990.

Esta necessidade não é formal, ou processual, mas material e revela condição de punibilidade do sujeito ativo do delito tributário, ou seja, o autor de uma das condutas descritas no art. 1º da lei acima citada.

A necessidade de aguardar o resultado do processo administrativo, agindo apenas quando do lançamento definitivo do crédito tributário, decorre da exigência legal do Código de Processo Penal de estar presente a materialidade do crime para o oferecimento da denúncia.

Como o delito contra a ordem tributária é de resultado, ou seja, há necessidade de uma obrigação tributária para que incida o tipo penal previsto na Lei 8.137 de 1990, não há como apurar-se a materialidade do crime sem antes verificar na via administrativa a presença da obrigação fiscal.


Eis o que ensina o Ministro do Supremo Tribunal Federal Min. Sepúlveda Pertence sobre o tema, ao decidir o HC 81.611-DF:

“nos crimes do art. 1º da Lei 8.137/90, que são materiais ou de resultado, a decisão definitiva do processo administrativo consubstancia uma condição objetiva de punibilidade, sem a qual a denúncia deve ser rejeitada, uma vez que a competência para constituir o crédito tributário é privativa da administração fiscal, cuja existência ou montante não se pode afirmar até que haja o efeito preclusivo da decisão final do processo administrativo”
(grifo nosso)


Destarte, necessário e devido o trancamento da ação penal sempre que a ação do Ministério Público não aguardar o desenlace do procedimento administrativo com o lançamento definitivo do crédito tributário. Trata-se de condição objetiva de punibilidade, que se mostra intransponível mesmo revelando-se no curso do processo penal, eis que haverá prejuízo do réu uma vez que pode extinguir o crédito tributário antes da denúncia a fim de extinguir a punibilidade:


“PROCESSO PENAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. TRIBUTOS. PAGAMENTO PARCELADO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.

A Lei 8.137/90, artigo 14, considerava extinta a punibilidade dos crimes pelos quais os impetrantes foram denunciados, se o agente promovesse o pagamento do tributo ou da contribuição social, antes do recebimento da denúncia. Ora, se os pacientes assinaram contrato de parcelamento dos débitos respeitando aquele requisito, compreende-ser que, para efeito penal, promoveram o pagamento, inexistindo justa causa para a ação” (DJU, de 09.05.1994, p. 10.883).


A ação penal, portanto, quando instaurada antes do encerramento da via administrativa merece rejeição nos termos do art. 43 do CPP, podendo ser renovada:

Art. 43. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:

I – o fato narrado evidentemente não constituir crime;

II – já estiver extinta a punibilidade, pela prescrição ou outra causa;

III – for manifesta a ilegitimidade da parte ou faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal.

Parágrafo único. Nos casos do no III, a rejeição da denúncia ou queixa não obstará ao exercício da ação penal, desde que promovida por parte legítima ou satisfeita a condição.


O então Ministro Nelson Jobim, ao julgar o HC n°77.002-8 do Rio de Janeiro, assim determina ao julgar o mérito do recurso que tratava exatamente da discussão aqui travada,:

“em caso em que há controvérsia sobre o lançamento pretendido, deve aguardarse a decisão administrativa”.


Assevera Damásio de Jesus ao dedicar-se a examinar a Parte Geral do Direito Penal brasileiro que as condições objetivas de punibilidade condicionam “a existência da pretensão punitiva do Estado.” (E. DE JESUS, Damásio, Direito Penal – 1º Volume Parte Geral, São Paulo : Saraiva, p. 667).

É que o crime só se materializa no momento em que o sujeito ativo obtém a vantagem econômica ao deixar de recolher o tributo, vantagem que reflete o elemento do tipo, e será apurada na via administrativa com o lançamento do crédito tributário.

Ausente a condição, sequer há interesse na pretensão punitiva do Estado, ou seja, não há ação penal.


O ilustre jurista Miguel Reale Júnior analisa a questão sob a seguinte ótica:

“ Ora, no inciso I, do art. 1°, da Lei n°8.137/90,equiparam-se as figuras de omitir informação ou prestar informação falsa, que venham a suprimir ou reduzir tributo ou contribuição social, constituindo um crime de dano, conforme entendimento unânime da doutrina. A omissão ou ação fraudulenta geraria a não imposição do tributo ou da contribuição devidos, pois se não há tributos a serem lançados não pode haver, logicamente, crime tributário, pois não se suprime ou reduz o tributo indevido. E a supressão ou redução de tributos é elemento constitutivo do crime.”

(REALE JR., Miguel, Ação Fiscal e Extinção da Punibilidade no Crime Tributário, artigo publicado no site do escritório Reale e Moreira Porto Advogados Associados)


O mestre Heleno Fragoso já trazia esta lição, esclarecendo que quando o delito específico exigir uma condição externa – aqui a existência de crédito tributário – não há crime sem a referida condição:

“Num sentido vulgar e mais amplo, pode afirmar-se que em muitos crimes há pressupostos do fato, enquanto o próprio fato que constitui o delito exige um antecedente necessário. A conduta típica realiza-se de conformidade com a descrição abstrata contida na norma penal, mas somente constituirá determinado crime se ocorrer o pressuposto acaso exigido.”

(Pressupostos do crime e condições objetivas de punibilidade, na coletânea “Estudos de direito e processo penal”, em homenagem a Nélson Hungria, Rio, Forense, 1.962, p. 162.)


Concluindo, os crimes descritos na Lei 8.137 de 1990, exigem, para a ocorrência das condutas delitivas, que haja uma obrigação tributária não atendida, o que será averiguado na via administrativa, caso contrário não haverá crime contra a ordem tributária, e tampouco ação penal pública.

Por estas razões, sempre que a ação penal tiver início sem que esgotadas as vias administrativas, caberá o remédio heróico do Habeas Corpus visando extinguir a ação penal, uma vez que ausente a materialidade do crime e condição objetiva de punibilidade.


Sobre o autor

Francisco Silva Laranja
Especialista em Direito Tributário. Membro da Comissão Especial do Advogado Empregado da OAB/RS. Advogado em Porto Alegre/RS

Fonte: Netlegis

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