Uma solução para os créditos tributários

Pesquisa feita pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostrou que o acúmulo de créditos tributários afeta a decisão de exportar de 44,3% das empresas exportadoras brasileiras. No caso das que mais exportam, isto é, daquelas cujas vendas ao exterior respondem por mais de 50% do faturamento, o problema diminui o ímpeto exportador de 54,6%. O governo prepara neste momento um pacote de medidas de apoio às exportações, mas o ministro da Fazenda, Guido Mantega, avisou, em entrevista à “Folha de S. Paulo”, que não haverá uma solução para os créditos não compensados.


O Brasil lida mal com a ideia, disseminada em todo o mundo, de que não faz sentido exportar impostos. Os tributos, do jeito que são cobrados no país, diminuem a competitividade das empresas brasileiras. A Constituição determina a imunidade tributária do exportador, mas, na prática, isso nunca foi aplicado. Na última década e meia, várias medidas, como a Lei Complementar 87 (Lei Kandir) e seus aperfeiçoamentos posteriores, foram adotadas para ressarcir os exportadores de impostos pagos, principalmente o ICMS, ao longo da cadeia produtiva. O sistema, todavia, não funciona bem.


Para se ter uma ideia, no ano passado, a União repassou R$ 1,95 bilhão a Estados e municípios com base na Lei Kandir. O valor equivale a apenas 0,85% do total arrecadado com o ICMS em 2009. É verdade que o governo federal, por causa da crise mundial, transferiu, no último ano, mais R$ 2 bilhões aos Estados exportadores a título de auxílio financeiro. No total, a transferência representou apenas 1,7% do ICMS.


Em 2008, quando enviou proposta de reforma tributária ao Congresso, o Ministério da Fazenda reconheceu, com base em dados contabilizados até 2006, que o volume de créditos não compensados de ICMS estava em R$ 17 bilhões. No caso dos créditos de PIS/Cofins, a conta era estimada em R$ 13 bilhões e, nos da CIDE e do ISS, em R$ 14 bilhões, chegando ao total de R$ 44 bilhões (1,9% do PIB).


Nem todos esses créditos, calculados pela Fazenda como efeito da cumulatividade daqueles tributos, decorrem de exportações, mas, como bem lembra o economista José Roberto Afonso, a experiência indica que a maioria, sim, vem dali. Parte interessada na questão, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) alega que a conta é mais salgada – os créditos não honrados de PIS/Cofins seriam de R$ 20 bilhões, e os de ICMS, de R$ 40 bilhões.


Qualquer medida de estímulo às exportações que ignore o problema dos créditos tributários – o estoque e o fluxo futuro – soa, portanto, paliativa. Por essa razão, Afonso elaborou uma engenhosa proposta de securitização dos créditos não compensados de ICMS. Seria uma solução emergencial, mas com a presença de elementos para induzir União e Estados a chegarem, no futuro próximo, a um acordo sobre o que pode realmente desonerar definitivamente as exportações no país – a realização de uma reforma tributária.


A proposta de Afonso, que constará do próximo número da Revista Brasileira de Comércio Exterior, editada pela Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), prevê a emissão de um título, pelos Estados, atestando o direito da empresa exportadora de receber, em espécie, o que lhe é devido de créditos de ICMS não compensados. O papel seria emitido por meio eletrônico e registrado na Cetip. Mas como saber exatamente o que os Estados devem aos exportadores?


Desde 2005, as secretarias estaduais de Fazenda informam à Receita Federal a relação de exportadores, os valores exportados, os créditos adquiridos por eles, a totalização dos saldos constituídos e das transferências autorizadas. Dessa forma, Afonso lembra que o governo sabe exatamente o tamanho do problema, embora nunca tenha divulgado os números. Com base nesse cadastro, diz o economista, seria possível, por meio de forças-tarefas, verificar a exatidão dos registros depois de cruzá-los com bancos de dados federais (Siscomex, por exemplo). Seria adotada uma data de corte – anterior ao anúncio da securitização – para a aplicação do benefício.


A ideia é que o governo federal realize o pagamento diretamente ao exportador. Funcionaria assim: as transferências devidas pela União aos Estados, a título de auxílio financeiro para promoção ou fomento das exportações, seriam a garantia do papel emitido pelos Estados. A empresa poderia, portanto, resgatar seu título diretamente junto ao Tesouro Nacional. Afonso explica que o procedimento é similar ao adotado recentemente na operação de antecipação de royalties de petróleo – a diferença é que, nesse caso, o credor era a Petrobras; na sua proposta, o credor será o Tesouro.


“Como o Tesouro se tornaria credor de si próprio, na prática, uma operação anularia a outra”, explica o economista licenciado do BNDES, hoje a serviço do Senado. “De fato, em termos financeiros, os desembolsos do Tesouro seriam realizados diretamente em favor dos exportadores, a título da compra de créditos tributários do ICMS, mas, ao mesmo tempo, em termos orçamentários e contábeis, a União estaria concedendo auxílio financeiro ao Estado devedor.”


A proposta resolve o problema do passado e sugere que se adotem critérios para evitar a sua repetição no futuro. Está claro que uma solução permanente só virá com a realização de uma reforma tributária. A acumulação de créditos tributários que acabam não sendo honrados nem pelos Estados nem pela União decorre, em boa medida, de uma distorção do sistema tributário brasileiro – a aplicação do ICMS nas transações interestaduais, em que uma parcela significativa da receita (até 12%) fica no Estado de origem da mercadoria.


“O problema é que, no Brasil, pela natureza interestadual do ICMS, em geral, os tesouros estaduais que foram beneficiados pela venda de insumos e bens de capital aos exportadores nem sempre são os tesouros que deveriam devolver os créditos acumulados aos seus contribuintes”, explica José Roberto Afonso.


Cristiano Romero 

Fonte: Valor Econômico

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