Volume de pedidos de recuperação judicial bate recorde histórico em 2024

O ano de 2024 bateu o recorde histórico do número de pedidos de recuperação judicial no Brasil. Segundo dados da Serasa Experian, 2.273 empresas entraram com a solicitação no Judiciário, número 61,8% maior que o de 2023 e 22% maior que o de 2016 – até então, o período com volume mais elevado, com 1.863 requisições.

A tendência não é melhorar, segundo especialistas. Este ano e 2026 devem superar a marca do ano passado, por conta da perspectiva econômica ser mais desafiadora. Os três principais motivos para o crescimento, afirmam, ainda são a alta taxa básica de juros, a Selic, que tem encarecido o custo das empresas; a valorização do dólar frente ao real; e a dificuldade no acesso ao crédito, que os bancos já disseram que devem reduzir.

As micro e pequenas empresas foram as mais afetadas. Representaram 73,7% dos pedidos de recuperação, um aumento de 78,4% ante 2023. Entre os setores, o de serviços liderou, com 41% do total registrado pela Serasa. As falências, porém, na contramão, reduziram 3,5% na comparação anual.

Companhias relevantes se socorreram da recuperação judicial, dos mais diversos setores e portes. Alguns dos mais recentes foi o caso da InterCement, segunda maior empresa de cimentos do país, e da Mover, antiga Camargo Côrrea, ambas pertencentes ao mesmo grupo econômico, com dívidas de R$ 14,2 bilhões. O pedido foi feito no início de dezembro de 2024, após uma recuperação extrajudicial não ter dado certo. Pesou na conta as negociações de fusão entre a InterCement e a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) não terem avançado.

No mês passado, a Associação Portuguesa de Desportos também pediu reestruturação na Justiça, após a tentativa de renegociar dívidas superiores a R$ 500 milhões em um Regime Centralizado de Execuções (RCE). Entram na lista a OEC, braço de construção da Odebrecht, a Polishop, a rede de supermercados Dia, Casa do Pão de Queijo, Patense, Coteminas e Subway, operada pela SouthRock Capital, dona de outras redes de restaurantes como Starbucks, que já havia entrado com o pedido em 2023. Apenas essas dez empresas somam passivos que superam R$ 50 bilhões.

“A crise enfrentada pelas empresas hoje é pior do que a de 2016”

A economista da Serasa Experian, Camila Abdelmalack, diz que o recorde no crescimento de pedidos de recuperação ocorreu em um momento que a economia ainda estava aquecida, com o Produto Interno Bruto (PIB) maior que a média histórica. Mas o cenário não deve ser tão próspero neste ano, o que deve fazer com que os números piorem em 2025, refletindo em um novo aumento dos pedidos.

“Batemos um recorde num contexto de economia bastante aquecida. Se a gente pensar que o cenário de juros vai ser bastante restritivo para 2025, que vamos enfrentar uma desaceleração econômica, teremos impacto no cenário das recuperações judiciais não só em 2025, mas ainda em 2026”, afirma.

A previsão da economista é corroborada pelos dados de inadimplência de pessoas jurídicas, também monitorados pela instituição. São 6,9 milhões de CNPJs negativados. Cada empresa tem, em média, sete dívidas que somam, ao todo, um valor de R$ 150,6 bilhões, segundo o levantamento mais recente da Serasa Experian, de dezembro. “É um quadro bastante preocupante, porque teremos que navegar em um ambiente econômico diferente ao longo desse ano”, completa Camila.

No caso das micro e pequenas empresas, a dificuldade de sair da crise financeira é maior, por terem menos capital de giro, acesso a crédito e estrutura para planejamento financeiro – e até caixa para pedir recuperação judicial, que é um processo custoso e que dura, em média, cinco anos. “Elas têm menos fonte para captação de crédito e, quando têm, a taxa de juros é mais alta, porque existe a percepção de um risco maior”, diz a economista.

Elas terminam sendo o maior volume na quantidade de pedidos, assim como o setor de serviços, por conta da representatividade na economia. E pela quantidade de abertura desse tipo de empresas durante a pandemia da covid-19. As companhias de médio porte foram o segundo grupo que mais pediu recuperação judicial em 2024 (18,3%), seguido das de grande porte (8%).

Uma melhora nesse cenário só deve ocorrer três trimestres depois de uma redução da Selic, afirma Camila. Mas não há previsão para isso. Hoje a taxa está em 14,25% e as projeções são de aumento para 15% a 16% ao longo do ano. Somado a um cenário de inflação, que deve reduzir o consumo dos brasileiros, a receita das empresas deve cair. “Para 2025 e, eventualmente, para 2026, se nada mudar, vamos ter novos recordes nos pedidos de recuperação judicial”, afirma.

Para o administrador judicial e professor do Insper Claudio Montoro, um dos fundadores do Instituto Recupera Brasil (IRB), a crise vivida pelas empresas hoje é “brutal” e o desafio nos próximos meses é saber processar bem os casos de recuperação judicial que tramitam e devem chegar em maior número ao Judiciário. “É um processo desgastante e complexo, com cinco a seis autores e milhares de réus. Terá de haver um esforço da Justiça para simplificação”, diz.

Para Montoro, os empresários não devem considerar a recuperação judicial como “a última boia” nem como a única opção. “É preciso apresentar um plano de recuperação que seja factível e entrar no momento antes da crise, não precisa esperar o último sopro do balão”, afirma. A mediação e a recuperação extrajudicial, acrescenta, podem ajudar a evitar o pedido. “O instituto [da recuperação] deve ser reservado para contextos mais graves.”

Na visão do professor, a crise enfrentada pelas empresas hoje é pior que a de 2016, ano do último recorde de pedidos de recuperação. “Temos uma taxa Selic altíssima e uma preocupação com o déficit primário inacreditável. Então, existe muita insegurança”, diz Montoro.

Fonte: Valor Econômico.

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