Cruzeiro do Sul paga dividendo sobre lucro contestado pela KPMG

Por Nelson Niero e Carolina Mandl | De São Paulo

O Banco Cruzeiro do Sul pagou R$ 5,5 milhões aos acionistas no dia 12. Havia pago R$ 5,5 milhões no dia 5. Duas parcelas em dezembro, somando dez no ano – R$ 60,5 milhões depositados nas contas dos acionistas com base nos balanços apurados em 2011. Até setembro, o lucro líquido foi de R$ 116, 5 milhões, pelos números divulgados em 15 de novembro.

Apesar de nunca ter deixado de remunerar os investidores desde 2007, quando abriu o capital, o banco deparou-se neste ano com algo inusitado. O lucro divulgado pelo banco foi contestado pelo seu auditor independente, a KPMG. Logo em seguida, a agência de classificação de risco Moody’s rebaixou a nota do banco.

Em todos os anos anteriores, o Cruzeiro do Sul obteve lucro no balanço da controladora, o que é usado para pagar proventos aos acionistas.

O estatuto social do Cruzeiro do Sul prevê o pagamento de um dividendo anual obrigatório não inferior a 25% do lucro líquido anual. Também prevê pagamento de dividendos intermediários, usando balanço patrimonial semestral ou reservas de lucros. Estes, além dos juros sobre o capital próprio, entram no cálculo do dividendo mínimo obrigatório. Desde 2008, os pagamentos ficam acima de 40%.

Em documentos enviados à Comissão Valores Mobiliários (CVM), o banco lembra que poderá capitalizar ou reter o lucro para compensar prejuízo. “Podemos não pagar dividendos aos nossos acionistas em qualquer exercício social se nossos administradores manifestarem ser tal pagamento desaconselhável diante de nossa situação financeira”, informa o banco.

Os sinais de que a situação talvez não seja propícia à distribuição de resultados podem ter escapado à administração do banco.

Além dos problemas de liquidez dos bancos médios depois da crise de 2008, o Banco Central começou em janeiro de 2010 uma investigação sobre transações feitas nos balanços de 2008 e 2009. Três meses depois a CVM iniciou sua própria apuração do caso. Agora, foi a vez do auditor e da Moody’s acenderem o sinal amarelo.

O Cruzeiro do Sul preferiu não conceder entrevista para explicar seus critérios de distribuição de lucros. Apenas explicou por meio de uma nota que “define sua política de dividendos referente à distribuição de resultados antes do respectivo exercício”.

O problema apontado pela KPMG em seu relatório sobre as demonstrações financeiras é que a administração do banco “revisou a metodologia” de cálculo da provisão para crédito de liquidação duvidosa (a reserva para cobrir os calotes, em língua corrente) e descobriu que ela deveria ser R$ 197 milhões maior. O banco reconheceu o “erro”, mas adiou para o quarto trimestre o registro contábil, que resultaria num prejuízo.

A postergação se deve ao fato de a administração do Cruzeiro do Sul acreditar que a venda de carteiras de crédito para investidores, uma medida que está em curso, produzirá “resultados positivos consistentes e suficientes para já no quarto trimestre (…) compensar os efeitos negativos do aumento da provisão para créditos de liquidação duvidosa”, segundo as notas explicativas do balanço.

A auditoria discorda. “É nossa avaliação que os respectivos efeitos decorrentes da revisão da metodologia de cálculo da provisão de crédito de liquidação duvidosa deveriam ser registrados a partir do trimestre findo em 30 de setembro de 2011”, diz o auditor Francesco Luigi Celso. “Assim sendo, o valor do patrimônio líquido e do resultado líquido do trimestre e período de nove meses (…) estão apresentados a mais, em aproximadamente, R$ 118 milhões, líquido dos efeitos tributários.”

Apesar de o adiamento das reservas para o calote ter gerado um lucro que, segundo o auditor, não existiu, isso não deve se transformar em uma exigência de republicação dos números por parte do Banco Central. A autoridade só obriga os bancos a publicar balanços anuais e semestrais. É um respaldo que o Cruzeiro tem, já que o balanço do terceiro trimestre foge da exigência. Se os números estiverem corrigidos no fim do ano, para o Banco Central é o que basta.

Só que, além de ser regulado pelo Banco Central por ser uma instituição financeira, o Cruzeiro do Sul também está sob a supervisão da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) como companhia de capital aberto, com ações negociadas em bolsa. Com um cronograma diferente do BC, o regulador do mercado exige a publicação de balanços trimestrais.

A CVM informou que “acompanha e analisa as operações envolvendo companhias abertas e adota as medidas cabíveis, quando necessário” e que “não se pronuncia sobre casos específicos”.

Logo depois da publicação do balanço, a Moody’s rebaixou a nota do banco por conta do “enfraquecimento da flexibilidade financeira, conforme sugerido por resultados e índices de capitalização voláteis, e os desafios enfrentados pela franquia de negócios do banco desencadeados pela intensa competição em seu mercado principal”. A Moody’s também observou os “desafios que o banco enfrenta para adequar suas fontes de captação e os custos relacionados a uma carteira de longo prazo em um momento de elevada volatilidade nos mercados de captação”. Nas duas semanas seguintes ao relatório, o banco anunciou os dividendos que seriam pagos em dezembro.

Entre os dois pagamentos, o banco publicou outra demonstração financeira, desta vez usando as normas internacionais de contabilidade, conhecidas como IFRS, na sigla em inglês (uma liberalidade da companhia, e ponto para sua governança, já que não é obrigada pelo Banco Central). Desta vez, o resultado foi um prejuízo de R$ 36,3 milhões nos nove meses, sem ressalva do auditor.

Como denota um erro no balanço, a ressalva é rara, principalmente em companhias com ações em bolsa – ou pelo menos aquelas consideradas de primeira linha.

O Cruzeiro do Sul está no Nível 1 da BM&FBovespa, a porta de entrada do “segmento diferenciado de governança”, que ainda tem o Nível 2 e o Novo Mercado (diferenciado das empresas que seguem apenas a legislação em vigor). Entre as 38 empresas do Nível 1 – das quais dez são instituições financeiras -, só vieram com ressalvas nos balanços do terceiro trimestre o Cruzeiro do Sul e o PanAmericano, ex-banco de Silvio Santos que teve que ser resgatado depois que o BC descobriu uma fraude bilionária.

O auditor costuma ser um bom bode expiatório para reguladores e investidores. Assim como as agências de classificação de risco, os auditores têm que viver com um conflito inerente: são pagos por quem fiscalizam, o que tornaria difícil uma relação independente. Além disso, ambos têm longos históricos de casos em que aparentemente não estavam onde deveriam estar. Então, os sinais de aviso sobre o Cruzeiro do Sul poderiam ser vistos como um avanço.

Mas a história é mais complexa. Em abril, a KPMG e dois de seus sócios de auditoria concordaram em pagar R$ 1 milhão para a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para encerrar um processo por supostas infrações encontradas nas operações realizadas pelo Cruzeiro do Sul com direitos creditórios e fundos da instituição.

As transações foram realizadas em 2008 e beneficiaram o próprio banco, gerando lucro artificial no balanço daquele ano. Para a CVM, os profissionais que fizeram a auditoria dos fundos envolvidos nas operações deveriam ter feito uma ressalva no parecer do auditor.

A KPMG se comprometeu a pagar R$ 400 mil, e os profissionais que assinam os balanços dos fundos, R$ 300 mil cada um. Com o termo, não há julgamento, nem presunção de culpa dos acusados.

Ricardo Anhesini Souza, um dos sócios citados, disse na época à repórter Graziella Valenti que foram seguidas as regras do setor na emissão dos documentos e das avaliações. “O parecer não é um documento livre, no qual se escreve o que quiser. Existem regras e nosso entendimento é de que elas foram seguidas.”

Um ano antes, a CVM já havia obrigado o Cruzeiro do Sul a republicar o balanço de 2008.

Agora, mais uma vez, o problema no balanço do Cruzeiro gira em torno dos fundos de direitos creditórios. Mais precisamente sobre a forma como o banco contabilizava as provisões feitas para os créditos que estão dentro do fundo. Quase que 100% da carteira de crédito do Cruzeiro do Sul, de R$ 8 bilhões, é mantida em seu balanço por meio de cotas de fundos de direitos creditórios. (Colaborou Juliana Ennes, do Rio)

Fonte: Valor Econômico

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