Por Renata F. Almeida
Não são raros os casos em que engenheiros, arquitetos, advogados, jornalistas, programadores de computadores, dentre tantos outros profissionais, optam por se organizar por meio de pessoas jurídicas para exercer suas profissões, e, assim, atender seus clientes.
Na verdade, tornou-se prática bastante difundida no mercado nas últimas décadas. E o motivo é simples: se comparado ao tradicional modelo de prestação de serviços sob o regime empregatício, além de ser mais econômico do ponto de vista tributário, tal forma de organização permite aos profissionais atender um número maior de clientes.
Nada de irregular ou de ilegal. Trata-se de mero exercício de direitos e garantias assegurados pela Constituição Federal, uma vez que as pessoas são livres para escolher o modelo jurídico pelo qual trabalharão. Em termos mais simples, toda e qualquer pessoa é livre para adotar a forma por meio da qual exercerá sua atividade, podendo livremente escolher entre o vínculo empregatício e a prestação de serviços via pessoa jurídica constituída para esse fim.
O ponto é que o Fisco nunca viu com bons olhos a ideia de profissionais liberais e prestadores de serviços em geral organizarem-se por meio de pessoas jurídicas para atenderem uma única empresa (ou empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico). É o caso, por exemplo, do advogado que cuida do jurídico interno de determinada empresa, mas que resolve montar seu próprio escritório e passa a atender a empresa na qual trabalhava. O mesmo vale para jornalistas, que acabam por atender a um ou mais veículos da mídia, pertencentes ou não ao mesmo grupo, e dos médicos, que acabam por atender a diversos hospitais e clínicas distintos.
O mesmo vale para as pessoas jurídicas prestadoras de serviços que designam obrigação pessoal aos seus sócios. É o caso de apresentadores de TV e de jogadores de futebol, que sofrem com as investidas do Fisco.
Nos referidos casos, o Fisco sempre tratou de ignorar a existência da personalidade jurídica da empresa prestadora de serviços e de considerar todos os pagamentos feitos pelo tomador do serviço como remuneração integrante da base de cálculo das contribuições previdenciárias, e, claro, de cobrar a diferença.
Há alguns anos, um passo importante foi dado pelo governo para fazer com que o Fisco respeitasse as opções dos contribuintes. Trata-se da Lei nº 11.196, de 2005, que, em um de seus artigos, determina expressamente que “a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas”.
Não é preciso ser um especialista no assunto para concluir que a referida lei reconheceu expressamente o direito de o contribuinte definir a forma por meio da qual conduzirá os seus negócios.
Infelizmente, o Fisco frequentemente autua empresas e prestadores de serviços nessa situação. E isso causa diversos dissabores aos contribuintes, que vão desde o simples fato de serem autuados até a necessidade de se defenderem na esfera administrativa ou na judicial, passando até mesmo pelo constrangimento de terem seus bens arrolados ou penhorados, como forma de garantir o suposto débito tributário.
Recentemente, outro passo foi dado para resguardar os interesses dos contribuintes. Foi aprovada a Lei nº 12.441, de 2011, que inseriu uma nova classe de pessoas jurídicas em nosso ordenamento jurídico: as Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (Eireli’s).
Assim, a partir do momento em que a Lei nº 12.441 entrar em vigor (em 9 de janeiro), as pessoas poderão constituir sociedades unipessoais, o que só vem a reforçar o direito de os contribuintes escolherem por qual modelo jurídico prestar seus serviços e, consequentemente, tributar seus rendimentos.
No entanto, a sua utilização para atividades de natureza intelectual, científica ou literária deve ser cuidadosamente analisada. Isso porque, de acordo com a Lei 12.441, a Eireli, como o próprio nome diz, corresponde a uma “empresa”, fato este que pode levar à interpretação de que não caberia a sua utilização no exercício de profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, já que, para estas últimas, a legislação competente determina a utilização de sociedade simples.
Essa é apenas uma linha de interpretação. Existe outra que permite a sua utilização para o exercício de tais profissões, na medida em que algumas profissões liberais, tais como publicitário, arquiteto e engenheiro, já são realizadas por meio de sociedades limitadas, tipo societário também destinado às empresas.
De qualquer modo, resta claro que a Eireli veio a corroborar com o direito do contribuinte de escolher a melhor forma para exercer suas atividades, seja sob a forma de pessoa física ou de pessoa jurídica, devendo ser respeitada a opção do contribuinte, como bem já a preserva a citada Lei 11.196.
Renata Freire de Almeida é gerente da área societária do escritório Braga & Moreno Consultores e Advogados
Fonte: Valor Econômico