O jogo de interesses e influências sobre as Normas Contábeis

Na década de setenta veio visitar-me o emérito professor Stephen A. Zeff; de forma objetiva esclareceu que me procurava para trocar idéias em razão de ter sido eu o pioneiro no Brasil na edição de um livro sobre as Normas (editado pela APEC no Rio de Janeiro).


Na ocasião eu procedia a estudos apurados sobre a intensificação do movimento normativo que se operava nos Estados Unidos, prosseguindo as indagações e participações que tinha tido em um Comitê que militava na Europa na elaboração de um Plano Internacional de Contabilidade (com sede em Bruxelas).


Estava eu bastante comprometido com a análise da questão, esta que jamais abandonei e meu relacionamento com o aludido professor tornou-se epistolar, restringindo-se depois a poucos encontros, inclusive um na Espanha, mas, sem perder o interesse pelo assunto que ambos predelicionamos.


Leio agora em um dos números recentes do “The CPA Journal” um importante artigo do ilustre professor Zeff, sob o título “The Evolution of U.S. GAAP: The Political Forces Behind Professional Standards”, relatando passagens da história das normas contábeis nos Estados Unidos na segunda metade do século passado.


A matéria não exige grande esforço de interpretação para sumarizar o que tem acontecido nas últimas cinco décadas no campo das normalizações nos Estados Unidos, considerada a clareza como está exposta no tocante aos atos principais do denominado FASB (Comissão de Padrões Contábeis). O autor evidencia o “jogo de interesses” do poder econômico na produção das “Normas de Contabilidade”, mesclado às influências sobre a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC) e o parlamento.


Em realidade a questão eu já a conhecia desde a década de 60; em muito haviam reforçado meus estudos os contatos intelectuais que mantive com o professor Abrahan Briloff, da Universidade de New York (este que editou livros significativos sobre os escândalos nas Bolsas derivados da “volatilidade” das Normas Contábeis norte-americanas).


Tais perigos eu já os havia denunciado publicamente em artigos na década de 70 e na seguinte em conferência que realizei para os professores universitários de Contabilidade na Espanha, na Universidade de Saragoça (o texto está em minha página www.lopesdesa.com.br) em Artigos/Normas.


O que mais impressionou, todavia, no trabalho atual de Zeff é a forma objetiva como evidenciou as pressões e manobras, fazendo citações, mostrando que avanços e recuos nas normatizações decorreram mais de movimentos de jogos de interesses em manipular lucros e perdas do que mesmo em cuidar de uma Contabilidade como ciência que é.


O enfoque objetivo sobre o denominado “Valor Justo” e o subjetivismo que enseja é uma constante na publicação do emérito cientista e pesquisador estadunidense. Com clareza comenta que a “volatilidade” ensejada tem sido motivo de muitos protestos face aos efeitos daninhos causados no mercado, mas, que a mesma, tem, por outro lado sido defendida em jogos de pressões por parte de grupos financeiros poderosos.


Nos fins da década de 90, quando de minha passagem por Lisboa tive a oportunidade de ouvir a opinião do maior publicista daquele País, o Professor Rogério Fernandes Ferreira sobre o tema do denominado “Valor Justo”; o mesmo teceu pesadas críticas ao tema; pouco depois editou um artigo sobre a questão.


Na realidade sempre aceitei o valor de essência dos elementos do patrimônio e dos resultados face ao poder funcional dos bens, mas, também, sempre admiti que a fixação do mesmo devesse ser objetiva, jamais “volátil” ou “subjetiva”.


Minha opinião foi acatada por muitos outros intelectuais de renome, chegando o professor Lino Azzini, da Universidade de Parma a considerar o meu enfoque sobre a realidade sistemática do valor como uma possível solução para os estudos que desde os fins do século XIX realizara na Itália o mestre Giovanni Rossi (editados na obra L´ente econômico).
O problema normativo, todavia, tem sido exatamente o de não considerar os aspectos da “Teoria do Valor em Contabilidade”, sendo de tal forma transigente que implica desastres constantes no mercado, ensejando a falta de fiabilidade nos demonstrativos contábeis, como Zeff igualmente se referiu.


Mais ao sabor do jogo de interesses que de preocupação com as doutrinas científicas as normas norte-americanas executaram uma dança macabra; isso se consubstanciou nas fortes acusações do Senado às empresas multinacionais de auditoria, estas, segundo o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito que apurou a questão (ao qual Zeff se refere em seu artigo) reitoras na elaboração dos padrões.


Como as ditas Normas Internacionais de Contabilidade do IASB realizaram-se de acordo com aquelas do FASB norte americano, segundo Zeff denuncia no artigo em referência, é fácil inferir que estamos diante de regulamentações que servem a interesses particulares, ou seja, mais de “Normas de Conveniência” informativa que mesmo de aplicação da ciência da Contabilidade.


Confira a entrevista com Lopes de Sá: – A nova Lei das Sociedades Anônimas e normas internacionais de Contabilidade – Controvérsias na sua interpretação conflitante na corrente cientifica


Antônio Lopes de Sá


Doutor em Ciências Contábeis pela Faculdade Nacional de Ciências Econômicas da Universidade do Brasil, Rio de Janeiro, 1964; Doutor em Letras, H.C., pela Samuel Benjamin Thomas University, de Londres, Inglaterra, 1999. Administrador, Contador e Economista, Consultor, Professor, Cientista e Escritor. Vice Presidente da Academia Nacional de Economia (Brasil), Vice Presidente da Academia Brasileira de Ciências Contábeis, membro de honra do International Reserarch Institute de New Jersey, Prêmio Internacional de Literatura Cientifica, autor de 176 livros e mais de 13.000 artigos editados internacionalmente.

E-mail:lopessa.bhz@terra.com.br

Fonte: Netlegis

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