Senado aprova vigência de crédito-prêmio até 2004

Por Alessandro Cristo


O texto final da lei de conversão da Medida Provisória 460, aprovado nessa terça-feira (7/7) pelo Senado federal, traz um verdadeiro presente para as exportadoras que lutam para usar crédito-prêmio de IPI acumulado. A proposta reconhece créditos gerados até 2004 e seu uso na compensação de débitos tributários até dezembro do ano passado, em uma espécie de “transação tributária”. As indústrias que aderirem ao novo parcelamento de longo prazo do governo federal criado pela Lei 11.941/09 — o Refis da crise — poderão inclusive usar esses créditos para quitar as parcelas do programa. Enquanto as empresas aguardam uma decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a vigência desses créditos, a possível lei, que ainda terá de ser votada na Câmara dos Deputados e sancionada pela Presidência, pode ser a saída para as principais atingidas com a recente desvalorização do dólar.


O assunto envolve benefício concedido pelo governo federal em 1969 pelo Decreto 461, que isentava de IPI os produtos destinados à exportação, mas permitia que as indústrias se creditassem do imposto pago na compra de matérias-primas. O crédito-prêmio foi mantido até 1983, quando expirou o prazo previsto pelos Decretos-Lei 1.658 e 1.722, em 1979. Essas normas que determinavam o fim do crédito, no entanto, foram revogadas pelos Decretos-Lei 1.724/79 e 1.894/81, que acabaram não esclarecendo a data da extinção do benefício, mas deram ao fisco o poder de resolver a questão. Mais para frente, o Supremo declarou os dois últimos decretos inconstitucionais. A partir daí, começou a se discutir na Justiça se o crédito teria acabado ou não.


Em 2005, o Superior Tribunal de Justiça declarou que o crédito não terminou em 1983, como defende o fisco, mas em 1990. A explicação estava no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que, no parágrafo 1º do artigo 41, determinou que benefícios fiscais setoriais durariam dois anos após a promulgação da Constituição de 1988, a não ser que uma lei os regulamentasse. Entretanto, o caso foi parar de novo no Supremo, que entendeu que o STJ não poderia decidir um caso de natureza constitucional. Algumas empresas conseguiram liminares no STF, mas ficou nisso. A questão agora está nas mãos do ministro Ricardo Lewandowski, relator do Recurso Extraordinário 577.302, e não tem data para entrar na pauta do Plenário. “Ainda existe a possibilidade de o Supremo considerar apenas a questão formal e não entrar no mérito, devolvendo o processo ao STJ”, lembrou o advogado Maurício Faro, do Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados.


A Emenda 5, de autoria da senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO) e aprovada no Senado, reproduz propostas feitas pelas empresas em tentativas de acordos com a União. Depois que o STJ limitou o aproveitamento dos créditos até 1990, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional rejeitou qualquer negociação, já que seria impossível que 17 mil exportadores assinassem compromissos de não exigir os créditos na Justiça. Se o texto atual passar, porém, é isso que vai acontecer. As indústrias que requerem na Justiça ou administrativamente o direito de compensar dívidas com créditos terão de retirar as ações, mas poderão quitar débitos até 2004 se não promoverem programas de demissão voluntária em até dois anos depois da sanção da lei, ou até 2002, se instituírem PDVs. O benefício significa crédito tributário de cerca de 15% sobre as operações de exportação.


Apesar de ser a salvação para muitas indústrias, o tributarista Rafael Pandolfo, do Rafael Pandolfo Advogados Associados, critica a limitação do benefício apenas para quem ajuizou ações ou requer os créditos administrativamente. “Pode se criar uma concorrência desleal em relação a exportadores que não entraram na briga”, diz. O motivo é que, além de validar todas as compensações fiscais feitas, no mínimo, entre 1983 e 2002, a lei também permitiria que os possíveis saldos credores fossem usados para abater dívidas tributárias até 31 de dezembro de 2008.


O novo Refis, trazido pela Lei 11.941/09, entra no pacote. Se houver saldo positivo dos créditos-prêmio, ele poderá ser usado para abater as parcelas do novo programa, que já perdoa parte dos acréscimos, das multas e dos encargos de tributos em atraso até o ano passado. Os saldos também poderão ser convertidos em títulos públicos, a serem vendidos ou usados como garantia, e não poderão ser considerados receita ou lucro das empresas, o que os livra de tributação.


Se a lei for aprovada da maneira como está, “haverá uma corrida ao Judiciário”, prevê Pandolfo. “Não é só uma amortização de passivo, mas o reconhecimento de um direito que pode gerar ativos.” O tributarista Igor Mauler Santiago, do Sacha Calmon Misabel Derzi Consultores e Advogados, confirma a receita. “Como não há data-limite para o ajuizamento das ações, elas ainda podem ser propostas com o objetivo específico de viabilizar a opção pelo acordo”, diz. Não é caso dos processos transitados em julgado. “É diferente de quem já tem coisa julgada favorável sobre a matéria, com ou sem a propositura de rescisória pela União. Só a análise pormenorizada do caso poderá dizer se o acordo é ou não interessante”, diz Santiago.


Quem decidir pelo possível acordo, porém, pode perder a chance de se beneficiar de uma decisão favorável no Supremo. “Para o contribuinte, o crédito não foi extinto e ainda pode ser usado”, diz o advogado Daniel Maya, do Machado Associados Advogados e Consultores. O ministro Celso de Mello, do STF, já concedeu duas liminares a empresas suspendendo decisões do STJ, nas Reclamações 6.772 e 6.581, da Companhia Vale do Rio Doce e da Simab, do Rio de Janeiro. Já o ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo, negou liminares em outros dois casos e entrou no mérito da questão. Para ele, o crédito-prêmio terminou em 1983, e não em 1990, como decidiu o STJ. “A aprovação do projeto terá que ocorrer rapidamente, já que a regulamentação do parcelamento da Lei 11.941 está para sair”, diz Maya.


Apesar da derrota no STJ, as empresas acreditam que o Supremo pode reverter o caso em favor dos contribuintes. “O argumento relacionado ao ADCT, do STJ, é mais fraco porque classifica o benefício como setorial. A exportação não é um setor. Qualquer um pode exportar”, disse o advogado Donovan Mazza Lessa, do escritório Sacha Calmon Misabel Derzi Consultores e Advogados, quando as liminares do Supremo começaram a sair, no ano passado. “Se exportação fosse um setor, teríamos apenas dois, um interno e outro externo”, concorda Maya.


Se a proposta passou no Senado, o mesmo pode não acontecer na Câmara dos Deputados, onde a base do governo é mais numerosa que entre os senadores. O fisco federal já fez questão de deixar claro que as emendas sobre crédito-prêmio incluídas no Senado não tiveram seu aval, já que podem significar um corte de até R$ 280 bilhões no Tesouro. “O Ministério da Fazenda esclarece que não apoiou qualquer iniciativa nesse sentido”, disse a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional em nota divulgada nesta quarta-feira (8/7). De acordo com a nota, o fisco concentra atenções no que a Justiça definirá.

Fonte: Conjur

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