Tábua de salvação de empresas em dívida com o fisco, o chamado Refis da Crise, que serviu para suspender leilões de bens penhorados, agora é arma para impedir a própria penhora. Desde que o parcelamento de longo prazo foi criado pelo governo federal por meio da Lei 11.941/09, os devedores vêm conseguindo deter os leilões, justificando que a formalização da adesão ainda dependia de medidas da Receita Federal. Agora, a estratégia é tentar, com o mesmo argumento, não deixar sequer que haja penhora.
A ideia se baseia na própria Lei 11.941. O artigo 11, no inciso I, dispensa a “apresentação de garantia ou arrolamento de bens” para as adesões, “exceto quando já houver penhora em execução fiscal ajuizada”. Se der certo, a tese pode livrar empresas que precisam dos bens para garantir outras execuções ou conseguir financiamentos do BNDES, por exemplo.
É o que defende o tributarista Eduardo Kiralyhegy, do escritório Negreiro, Medeiros & Kiralyhegy Advogados. Ele entrou no fim de setembro com dois pedidos na Justiça Federal do Rio de Janeiro para suspender a penhora de veículos de uma companhia de ônibus que opera na capital. Em duas execuções movidas pela Receita e pela Previdência, a empresa responde por um débito de R$ 4,1 milhões. Como os únicos bens que possui são a garagem e os ônibus, ela está ameaçada de ter 41 carros comprometidos.“O risco é de perder até mesmo a permissão concedida pela prefeitura, já que o contrato exige renovação periódica da frota e a empresa ficaria impedida de vender os carros”, diz Kiralyhegy.
Segundo o advogado, o valor da dívida corresponde a um débito previdenciário de R$ 2,2 milhões e outro de R$ 1,8 milhão referente à Cofins. Os montantes já foram incluídos no Refis depois que as execuções foram ajuizadas, mas a confirmação dos valores só sai depois que o fisco consolidar os dados. Por isso, o único meio de impedir a penhora é recorrendo ao Judiciário. Mesmo assim, de acordo com Kiralyhegy, a Justiça só pode autorizar a suspensão dos processos depois que a Fazenda, em juízo, confirmar as inclusões no programa, ainda que precárias.
A demora generalizada do fisco em formalizar as adesões também levou a própria Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a desobstruir o caminho de quem entrou no parcelamento e precisa provar sua regularidade fiscal. Um parecer da Coordenação-Geral de Assuntos Tributários da PGFN publicado em agosto permitiu que quem já tivesse aderido e pagado a primeira parcela da negociação pudesse ter sua “certidão positiva de débitos com efeitos de negativa” aceita como comprovante de regularidade para participação em licitações, recebimento de verbas públicas ou obtenção de crédito no mercado.
No parecer, a PGFN reconhece que “os sistemas e ferramentas que irão controlar os parcelamentos previstos na Lei 11.941/09 não foram totalmente concluídos”, o que “caracteriza-se mora da administração pública”. O procurador-geral adjunto Fabrício Da Soller, o coordenador-geral de Assuntos Tributários Arnaldo Godoy e o procurador Ronaldo Baptista concordam em admitir que “a questão da regularidade fiscal do contribuinte demanda interpretação mais abrangente do nosso ordenamento jurídico, que é composto por princípios, e não somente por regras”. Nesse raciocínio, eles afirmam ser possível o reconhecimento da regularidade “mesmo não estando definitivamente concedido o parcelamento”.
Intenção válida
Não é a primeira vez que contribuintes com intenção de entrar no parcelamento precisam ir à Justiça para livrar os próprios bens. Em junho, o hospital paranaense Santa Tereza de Guarapuava conseguiu impedir o leilão já agendado do prédio de sua sede, penhorado em uma execução de R$ 1,2 milhão em favor da Previdência. A suspensão foi decretada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. A instituição alegou que os débitos seriam incluídos no parcelamento aberto pela Lei 11.941/09, mas que isso ainda não era possível porque não havia norma que regulamentasse os procedimentos. A Portaria Conjunta 6/09 da Receita Federal e da PGFN, que disciplinou a adesão, só foi publicada em julho.
Pelo mesmo motivo, a corte regional também suspendeu o leilão do prédio onde funcionava a sede de uma indústria de fibra de juta no Paraná. Em agosto, a Pedro Carneiro S/A Indústria e Comércio conseguiu, no TRF-4, suspender o leilão apenas por manifestar interesse em aderir ao programa de parcelamento de longo prazo.
Por Alessandro Cristo
Fonte: Conjur