POR ALESSANDRO CRISTO
A Receita Federal do Brasil e as operadoras de planos de saúde travam uma batalha que promete chegar em breve aos tribunais. O ponto de discórdia são deduções feitas na base de cálculo de tributos como PIS e Cofins. Para a Receita, as deduções são irregulares e, por isso, o fisco tem disparado autuações que chegam à casa dos milhões de reais. As operadoras, por sua vez, consideram os abatimentos legais, já que se referem a valores pagos a médicos, clínicas e hospitais pelo serviço prestado aos conveniados, que devem ser deduzidos das receitas tributadas. Por enquanto, as contestações dos contribuintes ainda estão na esfera administrativa da Receita e aguardam uma manifestação definitiva do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (antigo Conselho de Contribuintes).
Empresas optantes pelo regime tributário do Lucro Real recolhem seus tributos sobre o lucro efetivamente alcançado durante o exercício. Isso significa dizer que gastos decorrentes do desenvolvimento da atividade econômica podem ser tirados do valor final sobre o qual incidem as alíquotas dos tributos federais, entre os quais estão incluídos o PIS e a Cofins, calculados com base na receita bruta. O entendimento era pacífico em relação às operadoras de planos de saúde desde 2001, quando a Medida Provisória 2.158-35 alterou o artigo 3º da Lei 9.718/98. A norma permitiu deduções de casos de “co-responsabilidades cedidas” entre operadoras e hospitais no atendimento aos pacientes, por exemplo, “constituições de provisões técnicas”, que nada mais são que fundos de reserva para o pagamento dos prestadores de serviço filiados aos convênios, e as “indenizações de eventos ocorridos”, pagamentos feitos aos profissionais e instituições.
Em 2007, porém, uma resposta administrativa dada a um contribuinte pela 6ª Região Fiscal (Minas Gerais) da Receita passou a ser usada por delegacias tributárias do fisco federal em outros estados para acabar com as deduções. A Solução Fiscal 58/07, expedida em resposta ao questionamento de um contribuinte, considerou que as deduções só são possíveis quando o cliente muda de operadora de plano de saúde. Ou seja, só pode haver deduções dos valores gastos com clientes que acabaram de vir de outras operadoras, quando existe assunção de riscos de outros contratos.
Foi com base nesse raciocínio que a 8ª Região Fiscal (São Paulo) já autuou duas companhias em valores que superam a casa dos milhões de reais, segundo o advogado Guilherme Pinese Filho, do escritório Advocacia Dagoberto J. S. Lima. “O montante é alto porque os custos com essas despesas representam de 70% a 80% do faturamento das operadoras”, explica. Com tamanha dedução, a interpretação dada pela Receita à MP 2.158-35 faz a opção pelo regime do Lucro Real ser inútil a essas empresas, já que praticamente impede que elas reduzam a base de cálculo para apuração dos impostos. “A Medida Provisória diz claramente que a incidência é só sobre o que for efetivamente pago, o que exclui os custos com a prestação do serviço”, diz o advogado.
As autuações recebidas pelas empresas paulistas, clientes do advogado, retroagem cinco anos a partir da data dos autos de infração, lavrados em 2007. As contestações às multas chegaram ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais da Receita no fim do ano passado.
Essa, no entanto, não é a única briga das operadoras de planos de saúde com o fisco federal. As empresas tentam evitar ter de desembolsar milhões em multas previdenciárias e de Imposto de Renda Retido na Fonte devido a retenções de impostos não feitas no pagamento a terceiros que cedem materiais para procedimentos hospitalares. O escritório Junqueira de Carvalho Murgel & Brito Advogados e Consultores defende operadoras em pelo menos 15 autuações a empresas que apresentaram notas fiscais de terceiros sem a descrição correta dos materiais, o que trouxe problemas na exclusão dos valores da base de cálculo da contribuição previdenciária e no IR retido na fonte. Metade das cobranças já está no Judiciário.
É o que conta o advogado Fábio Junqueira de Carvalho, sócio da banca. Ele afirma que o maior caso em que atua beira os R$ 20 milhões só em multas da Receita. A operadora já perdeu todos os recursos na esfera administrativa e tenta virar o jogo na Justiça, onde corre uma ação de execução fiscal. O problema se deve à falta de descrição dos materiais usados pelos profissionais durante os atendimentos aos pacientes. As notas pelo serviço são apresentadas contra os planos de saúde, que pagam as respectivas quantias aos médicos, mas têm direito de abater o valor dos materiais usados no cálculo do imposto de renda e da contribuição à Previdência, segundo ele. Com documentos feitos sem o rigor exigido pelo fisco, as operadoras são autuadas por fazerem abatimentos suspeitos. “As grandes deduções são essas contraprestações, que chegam a 30% do total das despesas”, explica o tributarista.
Fonte: Conjur